 Portugal Digital - Brasil/Portugal
30/07/2011 - 18:00
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30/07/2011 - 18:00 Que mais nos vai acontecer?
 A aura de simpatia que Pedro Passos Coelho conquistara, foi extorquida por ele próprio.
 Baptista Bastos *
        
                             
     
     A aura de simpatia que Pedro Passos Coelho conquistara, foi  extorquida por ele próprio. Em poucas semanas depredou a simpatia que  rodeava o Governo.
Ouve-se as pessoas, nas ruas e nos fóruns das rádios e das televisões, e  as manifestações de verdete ou de repulsa ou de arrependimento (no caso  de votantes) constituem ondas de contestação. Nunca, na história da  nossa pequena democracia, um Executivo passou tão depressa do estado de  graça ao estado de desgraça.
Passos declarou que não procedia a aumentos escandalosos. Procedeu. Que  não atacava as bolsas dos mais desfavorecidos. Atacou. Vai cortar metade  do subsídio de Natal a uma fatia substancial dos trabalhadores. Jurou, a  pés juntos, que não aludiria às políticas do Governo do PS. Está farto  de falar. Até nos "jobs" para os "boys". Aumentou de quatro o número de  gestores da Caixa Geral de Depósitos, todos eles simpatizantes,  militantes ou apoiantes do PSD.
As pessoas, para além de desapontadas, estão indignadas, muitas delas  votantes no partido agora no poder. Alguém disse, num debate na  SIC-Notícias, que a "tradição vai manter-se." A tradição consiste em  despedir por ordem do cartão do partido, e não defender e preservar o  mérito. Tem sido assim com todos ao partido alçapremados ao mando. Não  está bem. Mas parece que ninguém protesta ou se indigna "porque é da  tradição."
Espera-se, agora, a vez dos directores-gerais. Os do PS, claro, irão à  vida, a fim de darem a vez aos do PSD. Evidentemente que estas  movimentações partidárias custam rios de dinheiro ao País. A indiferença  moral adquiria carta de alforria.
Lembro uma história verdadeira ocorrida com Bertold Brecht. O grande  dramaturgo, por muitos considerado "o Shakespeare do século XX", era,  com a mulher, a actriz Elene Weigel, director do Berliner Ensemble.  Comunista, não escondia as suas convicções, nem o seu grande carácter,  acrescente-se. Havia quem confundisse essa virtude com mau feitio. Nada  disso. O homem era muito senhor do seu nariz.
Um dia, recomendado por um alto dirigente do partido, apareceu, no  Berliner Ensemble, um actor de segunda ordem, mas muito sobranceiro  devido à carta de recomendação que levava. Brecht leu a carta, com  visível desagrado. Depois, ergueu-se do cadeirão de cena, onde estava  sentado, apontou a porta da rua e disse: "Mostra-me o teu talento, não  me mostres o cartão do teu partido." É uma cena memorável, contada, sem  omissões ou rasuras, por pessoas que a presenciaram.
Quando do consulado de António Guterres, que seduziu e enganou muito boa  gente, ele tornou famosa uma frase: "No jobs for the boys." Pois não! O  PS encheu de "camaradas" a Administração Pública e as empresas onde  exercia influência. Não quero dizer com isto que militantes dos partidos  não devam ocupar lugares e exercer funções. Porém, desde que, para  isso, possuam mérito e competência.
Pedro Passos Coelho prometeu à puridade que isso não iria repetir-se. É o  que está a ver-se. Pior, talvez, ainda, há a palavra que se dá e se não  respeita. Vamos de mal em mal, de desprezo em desprezo, e o País  caminha para aonde? O ministro Vítor Gaspar, que surgiu precedido de  grande fama, parece não demonstrar coisa que o valha. Possui um humor  extravagante, o que não seria mau, caso a sua eficácia fosse provada.  Acrescenta aumentos a tudo o que é indispensável ao viver mais decente,  já anunciou dois orçamentos rectificativos, e prometeu que as  dificuldades não terminavam assim. Atingimos o grau zero da  credibilidade, e ainda estamos com poucas semanas deste Governo. Vamos  continuar na purga desta aflição?
Um belo livro de Teresa Horta
Maria Teresa Horta é um dos nomes centrais da cultura portuguesa.  Prosadora, poeta, jornalista, grande entrevistadora, ela nunca cedeu a  vez nem calou a voz, mesmo nos períodos mais difíceis da sociedade  portuguesa.
Jamais abdicou das suas convicções e, por vezes, batalhou sozinha,  contra ventos e marés. E dispõe de uma coragem incomum, e muitas vezes  provada. Acaba de publicar um documento-ficção, cuja notabilidade advém  dos vários indicadores de leitura que nos propõe. "As Luzes de Leonor" é  um trabalho literário que apaixonava Teresa Horta e que ocupou mais do  que uma década dos seus labores. "A marquesa de Alorna, uma sedutora de  anjos, poetas e heróis", é uma daquelas personagens fulcrais, cuja vida,  cuja liberdade e cuja independência teriam de atrair a curiosidade e o  talento de Teresa Horta. O volume comporta uma investigação  pormenorizada, uma criatividade excepcional e uma paixão não  dissimulada. Além do belíssimo texto literário, incluem-se documentos e  poemas da biografada.
 Baptista Bastos, jornalista e escritor português, assina coluna no Jornal de