quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Processos anômalos

João Luís Gonçalves

Processos anómalos   
Quando trabalhei em Timor-Leste, tivemos de resolver o caso de um preso que não queria sair da prisão. Como não tinha para onde ir, pediu ao director da prisão para continuar por ali, depois de cumprida a pena. E, assim, foi ficando. O problema é que este homem dormia sempre na sua cela, cumpria o horário dos presos e o seu nome passou a constar nos relatórios das Nações Unidas, como um "preso ilegal". Por esse motivo, o director da prisão queria pô-lo fora, mas pediu que fosse o tribunal a dar a "ordem de despejo". Como a lei não prevê estes casos, o processo ficou registado como "processo anómalo" - do preso que não quer sair da prisão.
Um outro caso, tratou-se de um militar indonésio que cumpria pena, por homicídio, em Díli. Quando terminou a pena, pediu ao director para continuar na prisão, pois, não tinha onde ficar. Além do mais, se fosse para a Indonésia, corria o risco de ser julgado em tribunal militar, sujeito à pena de morte.
Num outro caso, o tribunal libertou um idoso, milícia, em prisão preventiva. O seu advogado, porém, ficou surpreendido, quando os familiares disseram que «não o podiam receber. Se ele vier para casa, será assassinado pelas vítimas…». Que fazer com o preso? Colocá-lo fora da prisão, em liberdade, mas à fome, sem casa e sem dinheiro, velhote e doente? O próprio defensor pediu ao tribunal que o preso ficasse mais alguns dias na prisão, até ser resolvido o seu destino.
O último caso que tive, em Baucau, foi o de um homem que, num acerto de contas, tentou assassinar outro, em Viqueque. Depois de ter percorrido vários quilómetros, a pé, apresentou-se na polícia e pediu para ser preso. No tribunal, o homem confessou tudo e, no final, disse que estava satisfeito por ter ficado preso. Se regressasse à sua aldeia, corria o risco de ser linchado.
Apoio a presos e vítimas
Xanana Gusmão, em 2003, disse que recebeu várias viúvas, no Palácio da Presidência, queixando-se de que os milícias, em 1999, queimaram as suas casas e assassinaram os maridos. Diziam elas que, agora, as viúvas e filhos estão sem casa e à fome. Pelo contrário, os milícias assassinos têm casa e alimentação, pagas pelo Estado - referindo-se à prisão. Por isso, pedem as viúvas que o Estado lhes dê os mesmos apoios que têm os presos milícias.

Em Portugal

No nosso país, também aconteceram casos semelhantes. Durante um interrogatório, em Faro, uma rapariga pediu que a mandassem para a prisão. Dizia que a família não a aceitava e não tinha onde ficar. Num outro caso, em Lagos, o preso tinha sido tantas vezes preso, que, mesmo em liberdade, não passava uma semana sem fazer uma visita à prisão. Também no Funchal, não sei porque motivo, um preso pediu para continuar na cadeia, mais algum tempo.
Curiosa sugestão
Nos últimos tempos, circulou um mail, na internet, com a seguinte sugestão: que o Estado dê aos presos, apenas, a pensão social mínima, sem qualquer outro apoio, tal como recebe a maior parte dos idosos. Pelo contrário, que o Estado dê aos idosos todo o apoio que têm os presos, ou seja: comida a tempo e horas, cama e roupa lavada, assistência médica, vigilância 24 horas por dia, etc. Certamente, os idosos agradeceriam e veriam as suas condições de vida substancialmente melhoradas!...