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Há muito que ando para te escrever, mas o tempo vai passando tão  depressa… Correu tão rápido que até me lembro de ter a tua idade, vê lá,  parece que foi ontem, e quem então me ‘escrevia’ este tipo de ‘cartas’  era a geração dos meus pais e dos meus avós. Nem sempre entendi  completamente o que me diziam, confesso. Só o passar dos anos, me ajudou  a interpretá-las.
Por isso, corro o risco de, talvez, não me fazer entender. Mas não posso deixar de tentar!
Aviso já que não vou dizer que “no meu tempo é que era bom!”, porque  mentiria. Só quero dizer-te a verdade: o ‘meu tempo’ era mau, era pior,  era bem mais difícil!
Não creio que a minha geração tenha acertado em tudo. Falhámos em muitas  frentes, tivemos sucesso noutras, e agora que estamos à beira de  entregar o testemunho à geração dos nossos filhos e netos, é bom que se  recorde como aqui chegámos.
Todas as gerações passam por desafios, sempre novos, sempre difíceis.  Isto não foi nada fácil, garanto, sobretudo porque enfrentámos situações  para as quais não estávamos preparados: Tínhamos menos habilitações do  que tu – os nossos avós eram ‘letrados’ com a 4.ª classe, os nossos pais  tinham a vida resolvida com o 5.º ano (hoje chamado 9.º), mas pugnavam  para que nós chegássemos, pelo menos, ao fim do ‘liceu’. Sim, porque  isso de ir para a Universidade era para poucos. O nosso espaço/mundo era  reduzido, não tínhamos acessibilidades, nem estradas em condições, nem  portos, nem aeroportos. Sem estas ‘portas’ o mundo ficava pequeno,  acabava ali no ‘calhau’ e, se partíssemos, era para sempre. Isto  condicionava os nossos horizontes, era difícil não ‘pensar pequeno’.  Defrontámo-nos numa guerra, que não era bem nossa, e vimos, impotentes,  desaparecer amigos da nossa idade levados por uma bala ou uma granada  assassina. A revolta germinava, mas em surdina. Os nossos avós viram  partir os filhos para o Brasil, os Estados Unidos, a Venezuela, a África  do Sul, lá iam, ainda na casa dos vinte, para nunca mais voltarem. No  início eram cartas dolorosas e, depois, apenas silêncios a marcar os  anos.
Quisemos sair dos campos, fugir à vida escrava, mas as cidades tinham  pouco para nos oferecer: nem empregos, nem casas, nem vida... No fundo  não éramos, há quarenta anos, muito diferentes dos jovens de outras  paragens e, a bem dizer, bem semelhantes aos jovens de hoje. Colocados  perante desafios e responsabilidades para as quais, aparentemente, não  tínhamos solução, nem competências, nem oportunidades.
No entanto, havia um incentivo que se revelou essencial: a geração que  nos precedia olhava-nos com esperança. Com esperança de que fossemos  melhores, mais bem preparados, e que, além dos nossos sonhos,  cumpríssemos também os que eles não lograram vencer.
Se hoje olhar o Mundo, sinto orgulho em ter feito parte da geração que  chegou à Lua, que popularizou o automóvel, que inventou os  electrodomésticos, que democratizou a escola, que dançou o  rock-and-roll, que inventou o computador, o telemóvel, a Play Station, a  Wii, o ecrã plano, o 3D, que criou a internet, etc. Sinto o orgulho de  pertencer à geração de ‘Bill’ (Microsoft) Gates, 56 anos, de ‘Steve’  (Macintosh, iPhone, iPod, iPad, …) Jobs, 56 anos, Madona, 53 anos, Paul  McCartney, 69 anos, Chico Buarque, 64 anos, Sérgio Borges, 67 anos, Bob  Dilan, 70 anos, António Damásio, 67 anos ou Rui Veloso, 54 anos. Isto só  para dar alguns exemplos, porque a lista é imensa. Julgo que estes  nomes te são bem familiares (ainda há dias te vi a dançar “Sex Bomb” na  voz de Tom Jones, 71 anos!).
Mais perto de nós, tenho o pundonor de pertencer à geração que esmagou a  ditadura, que pôs fim à guerra, que deu o direito de voto às mulheres,  que aboliu a censura, que promoveu a democracia, que deu voz a quem não a  tinha, que estabeleceu o direito à Educação, à Cultura, ao Desporto, à  Saúde, à Segurança Social, …
Mais perto ainda, o enorme brio de ser parte da geração que acabou com a  colonia, que garantiu a escola para todos, que abriu as estradas do  desenvolvimento e da liberdade, que construiu portos e aeroportos, que  proporcionou os serviços de saúde, a geração que, afinal e na base de  tudo, travou e ganhou a(s) batalha(s) da Autonomia, esse desígnio que  fez toda a diferença, e para o qual ainda não encontrei melhor definição  do que “(…) a Autonomia é o responsabilizar dos povos no seu ganha-pão  do destino. É dar poder criador. É nutrir a Pátria comum, através do  sémen da participação própria, específica, peculiar e interessada.”  (Jardim, A. J., 1996).
Nem sempre fomos perfeitos, reconheço. Fizemos o melhor que sabíamos,  mas falhámos em muitos campos. Não temos, ainda, a Justiça que queremos,  a Cultura de desejamos, a Educação que merecemos ou a Saúde que  ansiamos. Mas não deixámos nem abdicaremos de lutar por isso, nem nos  deixaremos abater pelas contrariedades que nos são impostas. Olhámos o  futuro, caminhámos para a frente. Sempre!
Meu Caro Jovem:
Esta carta já vai longa… Se algo do que conto te escapa ao conhecimento,  procura a resposta junto dos que te são próximos, colhe a informação  que te falta, lê, investiga, pergunta, descobre, tira as tuas conclusões  e decide. Só o conhecimento do passado te permite avaliar o presente,  segurar o testemunho que te queremos entregar e, com ele, perspectivar o  futuro.
Não será fácil, mas sei que estás preparado. O acesso que hoje tens à  informação, à educação, ao saber, são as tuas melhores armas, tu  sabe-lo, porque não és parvo…, e, como deves imaginar, o trabalho, muito  trabalho, faz parte.
Tenho enorme orgulho em ti, quando tens um projecto inovador, quando  inventas o Facebook, quando bates um record, quando brilhas nas artes,  quando és solidário, quando olhas e proteges a singularidade do nosso  Planeta, quando escreves um poema, quando cantas, quando danças, quando  brilhas numa academia qualquer, quando és um ‘20’, quando agarras uma  oportunidade, quando te preocupas com os outros, quando queres ir mais  longe, quando participas, quando derrubas fronteiras, quando, tendo  razão, não te calas.
Tal como a geração que me precedeu, olho para ti cheio de esperança e de  confiança. A esperança e certeza de que fomos capazes de preparar uma  geração melhor do que a nossa, mais informada, mais educada, mais culta,  mais capaz. A confiança de que, perante os desafios que tens pela  frente, saberás encontrar o melhor percurso. Não te indicarei os  caminhos, sei que não o necessitas.
À minha geração compete apenas deixar-te o mapa das estradas!
Sempre teu!
Francisco Fernandes, 59 anos, pai, tio e avô. |  |