sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Carta aum jovem

FRANCISCO FERNANDES Carta a um Jovem
Meu Caro Jovem Há muito que ando para te escrever, mas o tempo vai passando tão depressa… Correu tão rápido que até me lembro de ter a tua idade, vê lá, parece que foi ontem, e quem então me ‘escrevia’ este tipo de ‘cartas’ era a geração dos meus pais e dos meus avós. Nem sempre entendi completamente o que me diziam, confesso. Só o passar dos anos, me ajudou a interpretá-las. Por isso, corro o risco de, talvez, não me fazer entender. Mas não posso deixar de tentar! Aviso já que não vou dizer que “no meu tempo é que era bom!”, porque mentiria. Só quero dizer-te a verdade: o ‘meu tempo’ era mau, era pior, era bem mais difícil! Não creio que a minha geração tenha acertado em tudo. Falhámos em muitas frentes, tivemos sucesso noutras, e agora que estamos à beira de entregar o testemunho à geração dos nossos filhos e netos, é bom que se recorde como aqui chegámos. Todas as gerações passam por desafios, sempre novos, sempre difíceis. Isto não foi nada fácil, garanto, sobretudo porque enfrentámos situações para as quais não estávamos preparados: Tínhamos menos habilitações do que tu – os nossos avós eram ‘letrados’ com a 4.ª classe, os nossos pais tinham a vida resolvida com o 5.º ano (hoje chamado 9.º), mas pugnavam para que nós chegássemos, pelo menos, ao fim do ‘liceu’. Sim, porque isso de ir para a Universidade era para poucos. O nosso espaço/mundo era reduzido, não tínhamos acessibilidades, nem estradas em condições, nem portos, nem aeroportos. Sem estas ‘portas’ o mundo ficava pequeno, acabava ali no ‘calhau’ e, se partíssemos, era para sempre. Isto condicionava os nossos horizontes, era difícil não ‘pensar pequeno’. Defrontámo-nos numa guerra, que não era bem nossa, e vimos, impotentes, desaparecer amigos da nossa idade levados por uma bala ou uma granada assassina. A revolta germinava, mas em surdina. Os nossos avós viram partir os filhos para o Brasil, os Estados Unidos, a Venezuela, a África do Sul, lá iam, ainda na casa dos vinte, para nunca mais voltarem. No início eram cartas dolorosas e, depois, apenas silêncios a marcar os anos. Quisemos sair dos campos, fugir à vida escrava, mas as cidades tinham pouco para nos oferecer: nem empregos, nem casas, nem vida... No fundo não éramos, há quarenta anos, muito diferentes dos jovens de outras paragens e, a bem dizer, bem semelhantes aos jovens de hoje. Colocados perante desafios e responsabilidades para as quais, aparentemente, não tínhamos solução, nem competências, nem oportunidades. No entanto, havia um incentivo que se revelou essencial: a geração que nos precedia olhava-nos com esperança. Com esperança de que fossemos melhores, mais bem preparados, e que, além dos nossos sonhos, cumpríssemos também os que eles não lograram vencer. Se hoje olhar o Mundo, sinto orgulho em ter feito parte da geração que chegou à Lua, que popularizou o automóvel, que inventou os electrodomésticos, que democratizou a escola, que dançou o rock-and-roll, que inventou o computador, o telemóvel, a Play Station, a Wii, o ecrã plano, o 3D, que criou a internet, etc. Sinto o orgulho de pertencer à geração de ‘Bill’ (Microsoft) Gates, 56 anos, de ‘Steve’ (Macintosh, iPhone, iPod, iPad, …) Jobs, 56 anos, Madona, 53 anos, Paul McCartney, 69 anos, Chico Buarque, 64 anos, Sérgio Borges, 67 anos, Bob Dilan, 70 anos, António Damásio, 67 anos ou Rui Veloso, 54 anos. Isto só para dar alguns exemplos, porque a lista é imensa. Julgo que estes nomes te são bem familiares (ainda há dias te vi a dançar “Sex Bomb” na voz de Tom Jones, 71 anos!). Mais perto de nós, tenho o pundonor de pertencer à geração que esmagou a ditadura, que pôs fim à guerra, que deu o direito de voto às mulheres, que aboliu a censura, que promoveu a democracia, que deu voz a quem não a tinha, que estabeleceu o direito à Educação, à Cultura, ao Desporto, à Saúde, à Segurança Social, … Mais perto ainda, o enorme brio de ser parte da geração que acabou com a colonia, que garantiu a escola para todos, que abriu as estradas do desenvolvimento e da liberdade, que construiu portos e aeroportos, que proporcionou os serviços de saúde, a geração que, afinal e na base de tudo, travou e ganhou a(s) batalha(s) da Autonomia, esse desígnio que fez toda a diferença, e para o qual ainda não encontrei melhor definição do que “(…) a Autonomia é o responsabilizar dos povos no seu ganha-pão do destino. É dar poder criador. É nutrir a Pátria comum, através do sémen da participação própria, específica, peculiar e interessada.” (Jardim, A. J., 1996). Nem sempre fomos perfeitos, reconheço. Fizemos o melhor que sabíamos, mas falhámos em muitos campos. Não temos, ainda, a Justiça que queremos, a Cultura de desejamos, a Educação que merecemos ou a Saúde que ansiamos. Mas não deixámos nem abdicaremos de lutar por isso, nem nos deixaremos abater pelas contrariedades que nos são impostas. Olhámos o futuro, caminhámos para a frente. Sempre! Meu Caro Jovem: Esta carta já vai longa… Se algo do que conto te escapa ao conhecimento, procura a resposta junto dos que te são próximos, colhe a informação que te falta, lê, investiga, pergunta, descobre, tira as tuas conclusões e decide. Só o conhecimento do passado te permite avaliar o presente, segurar o testemunho que te queremos entregar e, com ele, perspectivar o futuro. Não será fácil, mas sei que estás preparado. O acesso que hoje tens à informação, à educação, ao saber, são as tuas melhores armas, tu sabe-lo, porque não és parvo…, e, como deves imaginar, o trabalho, muito trabalho, faz parte. Tenho enorme orgulho em ti, quando tens um projecto inovador, quando inventas o Facebook, quando bates um record, quando brilhas nas artes, quando és solidário, quando olhas e proteges a singularidade do nosso Planeta, quando escreves um poema, quando cantas, quando danças, quando brilhas numa academia qualquer, quando és um ‘20’, quando agarras uma oportunidade, quando te preocupas com os outros, quando queres ir mais longe, quando participas, quando derrubas fronteiras, quando, tendo razão, não te calas. Tal como a geração que me precedeu, olho para ti cheio de esperança e de confiança. A esperança e certeza de que fomos capazes de preparar uma geração melhor do que a nossa, mais informada, mais educada, mais culta, mais capaz. A confiança de que, perante os desafios que tens pela frente, saberás encontrar o melhor percurso. Não te indicarei os caminhos, sei que não o necessitas. À minha geração compete apenas deixar-te o mapa das estradas! Sempre teu! Francisco Fernandes, 59 anos, pai, tio e avô.