quinta-feira, 6 de outubro de 2011


LUÍS FILIPE MALHEIRO
Voto e sondagens
 

Um eleitorado suficiente maduro, esclarecido e habituado às especificidades, incluindo as folclóricas, subjacentes a qualquer processo eleitoral já sabe que eleições em sondagens não são verdadeiramente eleições. E sabe também que, regra geral, há um lugar-comum quando os políticos são interrogados pelos jornalistas em busca de reacções: sondagens são sondagens e valem o que valem”. Ou seja, se os resultados lhes interessam, valorizam-nas, se pelo contrário defraudam expectativas, são remetidas para o lixo, pior do que o das agências de rating! O problema é que em meu entender deviam existir regras obrigatórias que credibilizassem as sondagens, evitando este frenesim todo na apresentação de trabalhos sem consistência, e sem representatividade, independentemente do facto de algumas delas até poderem acertar. E quando falo em regras falo, por exemplo, e entre outras, na obrigatoriedade de um universo mínimo, na recusa de percentagens de resposta inferiores a 7 ou 10% dos contactados, e na definição clara de métodos obrigatórios de consulta. Credibilizar e dar uma amplitude e noticiosa a sondagens (e esclareço que não estou a referir-me especificamente à da TVI nem a outras relacionadas com as eleições regionais, porque as reconheço que as empresas da especialidade, que estão concentradas no continente (Lisboa ou Porto) têm dificuldades acrescidas, até pelo desconhecimento da realidade regional nas suas múltiplas componentes, em estar no terreno nas regiões insulares) que não cumpram essas regras, muitas vezes com universos reduzidos de consulta – porque tudo tem a ver com os recursos financeiros disponíveis para este tipo de trabalho – e que não têm rigorosamente nada de esclarecedor, podendo, ao invés disso, desmobilizar as pessoas que eventualmente se deixem iludir e caíam logro de pensarem que tudo está resolvido. Não está, nunca está.
O que se deseja, em todas as eleições, para além dos resultados que interessam óbvia e especificamente aos partidos, é a mais ampla participação dos eleitores num acto de cidadania que alguns entendem dever ser obrigatório, impondo essa ida às urnas, que devia ser um acto de liberdade e de convicção, consentâneo com a consciência de cada homem ou mulher, jovem ou adulto. Confesso que fui sempre, e continuo a ser um opositor da imposição do voto. Mas tenho a consciência que aumenta a pressão, na Europa, para que se siga por esse caminho. E isto porquê? Porque se não se discute a legitimidade dos eleitos em qualquer acto eleitoral, tenha ele a taxa de participação que tiver, já se pode questionar, em última instância a representatividade dos eleitos, por exemplo num universo caracterizado por fortes abstenções. Não só fragiliza a vitória dos vencedores, passemos a expressão, como fragilizar o acto eleitoral em si mesmo. Depois há o caricato, particularmente da parte dos partidos que perdem, que nunca têm a coragem de assumir a derrota, que nunca reconhecem as más escolhas de pessoas que fazem, refugiando-se todos na alegação de que a abstenção os penaliza, menos a quem é mais votado. Ou seja, a abstenção é “propriedade” de quem perdeu – vejam bem esta teoria! – mas nunca de quem venceu. E já nem falo nos argumentos de alguns políticos (?) – como ainda há dias ouvi um deles fazê-lo com grande desplante – que garantem que sozinhos não vão o parlamento, ao qual concorre, recusando ocupar o lugar por alegada inexistência de condições políticas para o fazer. Ou seja, mesmo antes de conhecer o veredicto das pessoas, já as condena, já as pressiona, já as critica. Ou votam para que pelo menos um par deles sejam eleitos, ou aquele candidato em concreto, mesmo que venha a ser eleito – não acredito que seja – não ocupa o lugar porque não tem pachorra, porque acha que não existem condições políticas democráticas, porque não sei o que mais. Não teria sido mais fácil pura e simplesmente não se candidatar, neste caso? Há coisas que se podem pensar obviamente, mas não se dizem, ou melhor dizendo, não se dizem da forma como muitas vezes são ditas, porque fica sempre a dúvida de que há uma coacção a ser exercida sobre quem vota.
Outra técnica, absolutamente pacóvia, mas que revela a outra face de um processo eleitoral, onde a mediocridade e o oportunismo muitas vezes caminham de braço-dado, tem a ver com a forma como se regem as relações entre partidos (e candidatos) e meios de comunicação social (mas sobre este tema teríamos muito a dizer) no que diz respeito, e vou-me, limitar a isso, às “vendas” de pretensos resultados de estudos de opinião e “sondagens” realizados pelos próprios partidos e que não passam de embustes, porque apontam sempre para as conclusões que eles pretendem e que melhor lhes servem. São telefonemas, faxes, SMS, pressões de toda a espécie para que esses “resultados”, obviamente convenientes, sejam vendidos e transformados em notícia. A questão aqui reside apenas na seriedade, no distanciamento e na forma como o jornalista e/ou no meio de comunicação social e respectivas motivações subjacentes, a um e a outro, gerem todos os factos relacionados com um acto eleitoral em concreto. Garanto-vos, sem falsas modéstias, que aos anos que acompanho os processos eleitorais regionais, com os dados todos computorizados que tenho, de todos os actos eleitorais realizados na Madeira, com a percepção que tenho daquelas que são as chamadas freguesias-tipo, embora sem grande convicção no que a este item diz respeito porque não existem situações claramente incontestáveis, considerando a tradição eleitoral regional, a chamada média real e a tradição sentimental do eleitorado, seria capaz de fazer uma projecção para 9 de Outubro, correndo riscos é certo, mas provavelmente mais próxima do que os resultados de embustes e de falsas “sondagens” realizadas pelos partidos, que chegam a favorecer as duplas ou triplas intenções dos autores de tais “façanhas”. Mas que ganham a dimensão de “notícia” de primeira página! O problema reside nos perigos resultantes do facto da desfaçatez – e é disso que falamos – transformar uma aldrabice partilhada numa “notícia”. A partir deste momento tudo muda, porque entramos no domínio da credibilidade, da falta de rigor ético e deontológico, da seriedade e do sectarismo de entidades que pela sua natureza, devem (deviam) estar distantes de tudo isso. Mas não estão, aliás há muito que não estão.
Por isso, quando se fala em sondagens, e sobretudo tendo em vista as regionais de 9 de Outubro – sabendo-se, outro lugar-comum, que a grande sondagem é aquela que resulta da vontade livre e democrática dos cidadãos nas urnas – em meu entender há três quetsões importantes que opinião pública em geral, políticos, jornalistas e sobretudo os fazedores de sondagens não podem esquecer:
a) A lei eleitoral regional que vigora desde 2007, foi adoptada pela primeira vez há quarto anos, não havendo nenhuma possibilidade de comparação com actos eleitorais anteriores. Passou a vigorar um círculo eleitoral único em vez dos anteriores 11 círculos municipais correspondentes aos 11 concelhos da Madeira. Uma mudança que tem repercussões na própria mobilização eleitoral concelho a concelho, freguesia a freguesia;
b) O PSD da Madeira obteve em Maio de 2007 um resultado anormal – mais de 90 mil votos – num acto eleitoral rodeado de imensos factos políticos inéditos e que foi fortemente influenciado pelo caso da lei de finanças regionais que ditou ao PS um dos seus piores resultados eleitorais de sempre – quase o pulverizou do parlamento. Os protagonistas desse desaire estão lá todos agora, uma vez mais, o que demonstra que a memória colectiva dos partidos é um mito. Significa isto que, gostem ou não, os resultados dos partidos serão sempre apenas uma referência comparativa para efeitos contabilísticos e outras curiosidades;
c) A terceira questão tem a ver com o universo dos eleitores e com a abstenção, e o impacto que este item tem no processo eleitoral. Nas regionais de 2007 estavam inscritos nos cadernos eleitorais 232.052 eleitores tendo-se registado uma abstenção de cerca de 39,5%. Nas legislativas nacionais de 5 de Junho, a Madeira tinha 255.928 eleitores e obteve uma abstenção de cerca de 45,7%. Para as regionais de 9 de Outubro, e segundo a DGAI, estão inscritos 256.481 eleitores. Sabem o que isto significa? Entre as regionais de 2007 e as regionais de 2011 existem 24.429 novos eleitores, uma média de mais de 6.107 novos eleitores por ano. Pergunto: qual a influência destes quase 25 mil eleitores, que votarão pela primeira vez numas regionais, nas eleições de domingo?
Não tenho resposta. Sei é que me garantem que cerca de 8 mil estudantes fora da Região e mais 35 mil emigrantes, antigos ou mais recentes, mas uns e outros recenseados, não votam porque ausentes. Será?