Acordo ortográfico
Portugal e o ‘abrasileiramento’ do português
Por Hugo Souza
Na quarta-feira dia 16 de dezembro a ministra portuguesa da Educação, Isabel Alçada, fechou questão a respeito da aplicação nas escolas de Portugal das novas regras da língua portuguesa: não há prazo para que os “miúdos” tenham contato oficial, nas escolas do país, com a reforma na ortografia da “última flor do lácio”. Ao contrário do que estava previsto, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa não entrará em vigor no sistema lusitano de ensino em 2010, e nada garante que o seja em 2011, 2012 ou 2013. Talvez em 2666, como chegou a ironizar o escritor português Pedro Mexia, aludindo ao título do romance póstumo do chileno Roberto Bolaños – cujos protagonistas, por sinal, são professores de literatura.O adiamento foi anunciado pela ministra Isabel Alçada poucas semanas depois de sua colega da pasta da Cultura, Gabriela Canavilhas, ter garantido para janeiro a implementação do acordo ortográfico nas escolas portuguesas. A reviravolta toma ares de incongruência quando se observa que Portugal irá adotar no ano que vem novos programas de Língua Portuguesa para o ensino básico. Parece anedota, mas os novos programas para o ensino do idioma não abarcarão a nova ortografia. Foram várias as justificativas para a mudança de rumo, da falta de preparo dos professores de português – e de matemática, história, geografia, etc – até a advertência da ministra da Educação de que “não é preciso ansiedade”, passando pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros dizendo que as mudanças exigem “rigor, tempo e planeamento” – assim mesmo, sem o jota.
A certeza que fica é a de que os portugueses ainda estão reticentes quanto à adoção da unificação ortográfica, que muitos deles enxergam como uma espécie de “abrasileiramento” do idioma de Camões. O acordo acaba com 98% das diferenças existentes entre o português do Brasil e o português de Portugal, mas este percentual pode dar uma ideia errada acerca do alcance da reforma, uma vez que ela afeta apenas 0,43% do vocabulário brasileiro e 1,42% do português. É nesta diferença, entretanto, que reside a desconfiança. Um exemplo: em Portugal, não são poucos os que torcem o nariz para a eliminação das consoantes mudas de palavras como “acção” e “óptimo”.
Tão próximos, tão distantes
Adiamentos, atrasos e impasses têm marcado a história do acordo ortográfico, e ainda que não pareça, esta já é uma longa história. Levando-se em consideração o fato de que o acordo foi assinado em 1990 com previsão para entrar em vigor no dia 1º de janeiro de 1994, até que o adiamento da sua implementação nas escolas portuguesas nem soa tão grave assim. Isto sem contar que em 2007 as autoridades de Portugal chegaram a cogitar pedir um adiamento de dez anos para a entrada em vigor da unificação gráfica do idioma. Mais recentemente, a ratificação cabo-verdiana, por exemplo, estava prevista para maio deste ano, mas só foi acontecer no final de outubro.
E se hoje o trema do nosso teclado só serve para escrever palavras em alemão ou finlandês, por exemplo, é porque em julho de 2004 a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa aprovou um protocolo modificativo instituindo que o acordo ortográfico não precisava mais da ratificação de todos os membros da comunidade para entrar em vigor nos países que o aprovassem – como havia sido decidido originalmente –, desde que três nações que têm o Português como idioma oficial o fizessem.
Caso este protocolo modificativo não tivesse sido aprovado, ainda escreveríamos as paroxítonas “ideia”, “europeia” e “assembleia” com acentos agudos nos seus respectivos ditongos abertos. Isso porque Angola e Moçambique ainda não ratificaram o acordo, coisa que Guiné-Bissau só fez no fim de novembro deste ano, quando nós por aqui já dobrávamos esses e erres para compensar o desaparecimento do hífen em muitas locuções. Na verdade, as dificuldades para fazer valer o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa deixam uma outra certeza, além da desconfiança dos portugueses: não seria ele, o acordo, que iria selar o bom entendimento entre países historicamente tão próximos, e ao mesmo tempo tão distantes.
Em nossa opinião
Será uma pena se Portugal rejeitar o Acordo, que lá é visto por muitos como uma vitória de nosso país. A principal razão para o Acordo é permitir que a mesma edição de um livro seja aceita em todos os países, ao contrário do sistema atual em que cada país faz uma edição com a sua ortografia. As novas edições unificadas, muito mais numerosas, poderão trazer uma diminuição substancial nos preços dos livros.