Ao Ritmo da Ampulheta
Quando criança ganhei um
reloginho de areia... O inusitado presente me deixava absorto e
maravilhado. A areia branca descia devagar de um compartimento a outro.
Invariavelmente, imobilizado pelo fascínio daquela novidade, virava o
"reloginho" fazendo com que a areia inerte tomasse vida e caísse, lenta e
monótona, para o espaço vazio abaixo. E assim, horas a fio, como que
tentando aprisionar o tempo, sentia-me "dono" do que estava ao meu
redor, senhor das coisas e sentimentos... Até que... o encanto
quebrou-se! Uma manobra desastrada e a areia fria, que até àquele
momento era cheia de vida, espalhou-se, inerte, misturada aos cacos de vidro sobre a
mesa..
.Esvaída, morta, por assim dizer,
levou consigo todo o meu encanto. Desiludido, aos poucos fui me
acostumando ao "desprazer" que se abatera sobre mim. Mas, ao mesmo tempo, um
alívio e um sentimento de liberdade apossaram-se do meu ser e sentia,
mesmo sem descobrir as palavras para expressar a nova situação, a
euforia de haver me libertado de um feitiço! Aquele afã de tentar,
ostentivamente, "dominar" o tempo estava-me aprisionando. Frente à
ampulheta sobre a mesa eu era seu prisioneiro. Nada mais podia fazer,
estava absorto por seus sortilégios, escravo voluntário de seus
encantos!
Quantas vezes procedemos como se
um pensamento fixo fosse a última razão de nossas vidas e uma "verdade"
que formalizamos em nosso íntimo parece incontestável a ponto de mais
nada chamar a atenção de nossos propósitos! Nossa passagem pela vida é,
mesmo que passe despercebida à maior parte das pessoas, uma construção e uma
"conta" que nos farão ingressar na memória histórica da humanidade.
Viemos para somar e mesmo um pequeno grão de areia que possamos colocar
na construção de um futuro melhor será auspicioso e reverenciado pela
posteridade
Eleutério Sousa - Brasil