A forma misturada de dizer o
nome das letras em latim passou,
mais tarde, para as línguas
neolatinas, como o português. Essa
mudança alterou, em parte, o
princípio acrofônico. Posteriormente,
com a introdução de novas letras, o
princípio acrofônico nem sempre foi
respeitado. Assim a letras H, que os
romanos chamavam de adspiratio,
passou a se chamar agá em
português. Desde sua origem mais
remota, ela tem sido usada como
uma espécie de “curinga”,
representando sons diversos ou, mais
freqüentemente, modificando o valor
fonético da letra anterior e formando
dígrafos.
A letra W, em Portugal chamada
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de “duplo vê” e no Brasil de “dábliu”,
já aparece em documentos insulares
em 692 e veio, como o nome
português indica, da escrita de dois
V. Sua difusão deve-se ao extenso
uso que teve em manuscritos da
Alemanha nos séculos XI e XII. No
século XVII, passou a representar
uma consoante diferente, tornandose
assim uma letra a mais no
alfabeto.
A letra J é também uma
invenção da Idade Média. Surgiu
quando os escribas perceberam que,
escrevendo dois ii góticos juntos,
pareciam estar escrevendo um H.
Para distinguir os dois casos, o
segundo I da seqüência passou a ser
grafado com uma pequena curva
virada para a esquerda, originandose
assim a letra J. O pingo do J
começou a aparecer no século XIV,
tornando essa letra mais fácil de ser
reconhecida na escrita gótica. Foi
Louis Meigret quem colocou no
alfabeto francês o J como letra
independente, em 1542. A escrita
minúscula passou a ter a barra
vertical do t aumentada, cortando a
barra horizontal, em 1467.
O alfabeto inglês antigo tinha
duas letras novas, o thorn ð e o
winn þ. A letra winn veio do alfabeto
rúnico, também derivado do romano,
e apareceu pela primeira vez num
documento do ano de 811. A letra C
representava o som inicial da palavra
child, escrita cild. A letra S passou a
ter duas formas gráficas: ƒ e S, e as
duas formas amalgamadas aparecem
na escrita alemã fracture como ß. A
letra Ç surgiu na península Ibérica,
quando as línguas neolatinas
começavam a ser escritas, para
representar o mesmo som grafado
pelos antigos ingleses com as letras
thorn e wynn. A forma gráfica mais
antiga do Ç era um C com um
pequeno Z subscrito.
Algumas línguas procuraram
modificar a forma gráfica básica de
certas letras para obter novos
caracteres e assim representar sons
que não tinham letras próprias no
alfabeto romano. O tcheco, por
exemplo, incluiu letras como C C; o
rumeno, T; o norueguês, Æ Ø; o
sueco, Ä Å; o espanhol, Ñ etc. O uso
dos acentos para diferenciar
qualidades vocálicas diferentes em
português vem da influência árabe e
já aparece no português arcaico.
Convém lembrar também que os
alfabetos de algumas línguas
deixaram de lado certas letras do
alfabeto romano. O italiano não
possui as letras J, K, W, X e Y. O
iorubá não tem as letras C, Q, V e Z.
Finalmente, as letras do alfabeto
romano foram assumindo estilos
diferentes, com a produção de livros
manuscritos e, sobretudo, depois do
surgimento das tipografias (1456). A
forma gráfica das letras foi se
modificando criando-se, assim, novos
alfabetos. A escrita monumental
romana deu origem às letras de
forma maiúsculas e a escrita
carolíngia deu origem às letras de
forma minúsculas, no século IX. No
século XII, surgiram as letras góticas
(ou pretas) e as escritas cursivas
caligráficas.
Folheando-se, hoje, uma página
de jornal ou de revista, constatamos
uma infinidade de alfabetos. Mas o
princípio alfabético permanece
constante: a ortografia define o valor
funcional das letras, mesmo quando
o aspecto gráfico vai gerando novos
alfabetos que, por serem usados para
transcrever uma mesma língua e
valerem como substitutos do alfabeto
romano primitivo (letras de forma
maiúsculas), são, para nós, simples
variantes de um mesmo alfabeto. Na
verdade, no mundo de escrita em que
vivemos, lidamos com inúmeros
alfabetos, além de contarmos, ainda,
com caracteres não alfabéticos, como
os pictogramas modernos, a escrita
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ideográfica dos números, das
abreviaturas, siglas, logotipos e
inúmeras marcas e sinais que
completam o nosso sistema de
escrita. O alfabeto, hoje, é apenas
uma parte do sistema de escrita que
usamos, mas as letras ainda são a
parte mais importante deste sistema.