Dos “pecados originais” da Lusofonia
Quase sempre, nos múltiplos debates sobre Lusofonia em que, como Presidente do MIL e Director da Revista NOVA ÁGUIA, temos participado, surge a questão dos alegados “pecados originais” da Lusofonia. Por estes tomam-se, como é fácil de adivinhar, todas as iniquidades que os portugueses cometeram ao longo do período da expansão marítima.
Longe de nós negar que todo esse período é também uma história de violência, mas não convém exagerar, sob pena de cairmos no ridículo. Quer em África, quer na América, quer na Ásia, o mundo não era um paraíso antes dos portugueses chegarem, como alguns, de forma tão ingénua quanto ignorante, sustentam.
Assim, em África, é mais do que sabido que já havia escravatura – muitos dos escravos africanos que foram levados para o Brasil eram já escravos em África. No Brasil, entre os indígenas, o mesmo já acontecia, ainda que em menor escala. E a quem, ainda assim, defenda que os indígenas tinham um modo de civilização superior, recordamos apenas a prática generalizada de canibalismo, algo de tão contra-natura que, mesmo entre as (outras) espécies animais, só muito raramente se verifica.
E quanto à Asia: é certo que quando os portugueses lá chegaram encontraram povos com uma já muito apurada civilização. Mas encontraram e eliminaram igualmente práticas assaz bárbaras. Apenas um exemplo: no seu longo vice-reinado, Afonso de Albuquerque proibiu a prática ancestral das viúvas serem obrigadas a imolar-se com os cadáveres dos seus esposos. Imaginam quantas vidas “o muito cruel” Albuquerque salvou com esta medida?
De resto, todas essas recorrentes alegações assentam num mesmo equívoco – apresentam os portugueses simplesmente como “os colonizadores” e os demais povos apenas como “as vítimas”. Como se, a montante, a própria história da Península Ibérica e da Europa não tivesse sido também uma história de violência mútua. Apenas mais um exemplo: decerto, a expansão do Império Romano por (quase) toda a Europa não foi pacífica. Mas isso, por si só, deveria ter-nos levado a demonizar tudo o que o Império Romano nos trouxe – a nível da língua, dos costumes, da civilização? Isso teria sido, a nosso ver, grotesco.
Analogamente, todos aqueles que insistem em demonizar a expansão marítima portuguesa caem no mesmo equívoco de base, confundindo e amalgamando o que pode e deve ser denunciado e lamentado com o que pode e deve ser valorizado e preservado. Eis o que desde logo se passa com a língua portuguesa. Por muito que alguns tivessem preferido que tal não tivesse acontecido, nenhum país africano houve, depois da independência, a renegar a nossa língua comum. Porquê? Simplesmente, porque perceberam, de forma assaz inteligente, que isso teria sido tão grotesco quanto suicidário.