quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Ai, Brasil....

Ai Brasil, Brasil...

 
Guadêncio Figueira
Vou falar-vos de um tema que, nestes tempos hedonistas, é encarado como lixo que se esconde debaixo do tapete. Discordo em absoluto. Acho que tudo quanto atinge dimensão social merece atenção.
Entre os dias onze e catorze de Maio p.p., um dos principais Estados Federados Brasileiros - S. Paulo - foi notícia em todo o Mundo.
O PCC - primeiro comando da capital -, fundado em 31 de Agosto de 1993, e, dizem, usando no seu discurso terminologia identificada com a extrema-esquerda latino-americana, virou do avesso S. Paulo. Decorreram treze anos desde a sua constituição e o lançamento desta espectacular operação. Não se pense, porém, que aqueles 'meninos do coro' estiveram inactivos todo este tempo. Em 2003 efectuaram 51 ataques com dez mortos. Ao Estado, desde a mega-rebelião de Fevereiro de 2001, já não lhe restava dúvida de que o monopólio do uso da força não era mais seu. Surge, agora, a confirmação com os 800 autocarros incendiados, 180 ataques a esquadras e quartéis e 40 guardas mortos a sangue frio.
A última desobediência cívica foi terrível. Os media brasileiros equipararam a situação vivida à do Iraque. A população calejada - se algum dia acreditou - descrê das verborreias eleitoralistas sobre segurança pública. Quem teve acesso à imprensa brasileira leu que os poderes do Estado esbarraram na impossibilidade de silenciar telemóveis localizados no interior das prisões. Porquê? Desconcerto entre a justiça! Deste partiremos, sem dificuldade, para outros porquês. Treze anos não é tempo para se ultrapassar alguma desinteligência jurídico-policial, restituindo ao Estado a sua dignidade?
A organização criminosa (PCC) procura difundir a ideia de que tem poder político. O Estado - afirma o jornal Estado de S. Paulo - negociou, através de três representantes seus, com o 'comandante' Marcola (petit nom do prisioneiro Marcos Williams Herbas Camacho) do PCC, o fim das hostilidades. Novos desenvolvimentos, de Maio até agora, provam actividade. O PCC quer eleger, em Outubro, um deputado federal e um estadual, contando para tal com receitas de 225 mil euros/mês para financiar a campanha. Quão baixo chegou o Estado!


Como foi tudo isto possível? As elites políticas terão estado à altura das circunstâncias? A elas cabe, na sua condição de defensoras do interesse colectivo e público, colocar as Polícias e as Forças Armadas - monopolistas da violência de Estado - ao serviço de todos os cidadãos mas, sempre, na dependência hierárquica de eleitos que determinam o momento do uso e intensidade da Força.
Há relatos de negócios de droga a financiar campanhas eleitorais de cidadãos que, em campanha eleitoral, juram defender o interesse público e colectivo. Uma vez eleitos, leis negociadas, onde avultam os respectivos interesses pessoais e particulares, fazem esquecer compromissos eleitorais. Sobra disto um grande vazio. Preenche-o o Estado penal - polícias, tribunais e sistema judiciário - como único instrumento de controlo da criminalidade, distribuição de riqueza e combate à pobreza urbana.
A um eleito não basta que o vejamos pelo belo fato que usa nem pela limousine que o transporta. Exige-se que, ao elaborarem-se leis, nas respectivas Câmaras, elas não sejam feitas a pensar na gestão dos lobbies que os próprios representam. Assim a vida colectiva torna-se insuportável e as explosões sociais não vão parar de acontecer.
Aos que tiveram a paciência de ler o texto, digo-vos a terminar: as mesmas causas, em idênticas circunstâncias, têm os mesmos efeitos.