terça-feira, 22 de maio de 2012

Pátria madrasta

O Estado português quer que se cumpra, mas não cumpre *

Durante o período autonómico, o Estado português não cumpriu a Constituição no tocante às suas obrigações na Saúde e na Educação também nas Regiões Autónomas. Pagámos, só nestes dois sectores, à volta de nove mil milhões de euros. A nossa dívida é de seis mil milhões.


Felicito a Direcção da Associação Comercial e Industrial do Funchal, bem como todos os Seus Associados por esta justa celebração do Dia do Empresário.
É de uma grande coragem ser Empresário num país como Portugal; é de um grande arrojo ser Empresário no arquipélago da Madeira, numa Natureza tão pobre e difícil e num mercado tão pequeno.
Por isso, em nome do Povo que represento, agradeço tudo o que os Empresários têm feito por esta nossa pequena pátria, agradeço o estoicismo com que escreveram páginas brilhantes de sucesso empresarial, quer na Madeira, quer na Emigração.
Curvo-me perante a Memória de todos os que participaram na construção e consolidação da ACIF.
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Quando em Março de 1978 assumi as responsabilidades do Governo Regional da Madeira, as nossas verbas legalmente disponíveis nem davam para fazer face às despesas correntes.
Entre deixar a Madeira na mesma, ou proceder à sobretudo Justiça Social da sua transformação estrutural nos domínios económicos, culturais e sociais, optámos por fazer tudo o que fosse possível realizar, recorrendo para isso ao estabelecimento de uma Dívida Pública.
Com a adesão de Portugal à União Europeia, passámos a ter à nossa disposição Fundos Europeus que significavam dinheiro de graça.
Mas no nosso sistema constitucional, a responsabilidade pela quota nacional indispensável a podermos auferir esses Fundos, é do erário da Região Autónoma.
Não hesitei em recorrer à dívida pública para aproveitar todos os Fundos Europeus possíveis, já que do Estado central nada auferimos. Aproveitar, enquanto era tempo, antes das crises que vivemos.
Com os Governos Sócrates sucedeu a instrumentalização do Estado para fins político-partidários. Para além do que criminosamente fizeram à Zona Franca, foram-nos ilegal e ilegitimamente retirados meios financeiros, em benefício dos cofres de Lisboa e dos Açores.
Também, então, houve que tomar decisões. Ou parávamos tudo, rendendo-nos, o que politicamente era o pretendido, ou recorríamos a mais Dívida Pública, resistindo até esse Governo ter finalmente caído.
Se não tivéssemos actuado sempre a tempo, em todas as épocas, com ousadia e discernimento, como a Madeira hoje ainda estaria atrasada!
Se tivéssemos dado ouvidos às vozes que se opuseram a estas opções, enquanto havia dinheiro disponível na Banca e na União Europeia, hoje estaríamos pior que em 1978 e a pagar também as dívidas do Estado central.
O ano passado, Portugal ficou sob administração estrangeira. Vossas Excelências ouviram-me dizer, de há decénios atrás, que o regime político português da Constituição de 1976, era inadequado ao País e que nos acarretaria problemas bem graves.
A prova de que eu tinha razão, bem como da fragilidade intelectual dos então incrédulos, é que Portugal se encontra sob administração estrangeira e bem piores as coisas ficarão se o regime político, urgentemente, não for constitucionalmente alterado.
O grande capital financeiro que ainda domina os Estados, em defesa dos seus interesses e para se ressarcir rapidamente dos estragos que ele próprio causou irresponsavelmente, pretende também vergar e subordinar os Empresários que, na Economia, criam riqueza e Emprego, mas que, para fazê-lo, precisam de recorrer ao crédito.
Mas quando aconteceu o resgate financeiro estrangeiro para Portugal, percebemos que era este o momento único para avançarmos na imprescindível consolidação financeira, da qual depende o nosso futuro e a evolução da Autonomia Política.
Pedimos, e o Governo da República acedeu, o Plano de Ajustamento Económico e Financeiro da Região.
Tratou-se de negociações extremamente difíceis.
Vossas Excelências sabem melhor do que eu, as incidências de uma negociação, quando somos a parte mais fraca e nos falta liquidez.
A agravar, o facto de, sob administração estrangeira, Portugal ter perdido a sua autonomia e, na montagem do Plano de Ajustamento, por vezes terem pesado mais as decisões da “troika” do que a vontade dos dois Governos.
Além do mais, outras circunstâncias pesavam e pesam na presente conjuntura política.
O poder político regional manifestou-se sempre contra o actual regime político-constitucional, bem como contra a falta de transparência em aspectos da vida pública portuguesa, que permite a poderes ocultos, nas costas do Povo soberano, dominar Portugal e os Portugueses.
O regime leva mais de trinta anos, quase tantos como o do Doutor Salazar. Deu para instalar muitos interesses e poderosos, os quais, obviamente, não aceitam que a Madeira ponha em causa tais poderes.
Estes poderes económico-financeiros também são proprietários de comunicação social, daí o seu grande investimento em campanhas que agridem ainda impunemente o Povo Madeirense, quando somos nós a pagar os nossos investimentos e Dívida. Quando, “per capita”, a nossa Dívida Pública é inferior à nacional.
Por outro lado, desde a Autonomia Política, a Madeira, de região portuguesa mais pobre, cresceu mais do que as restantes regiões do País. A cultura da colonização que marca a idiossincrasia portuguesa, nomeadamente a dos interesses estabelecidos em Lisboa, escorrega para o temor de que o território tutelado, a se desenvolver muito, cause a perda da tutela pelo território tutor.
Daí o ataque cirúrgico que vem sendo dirigido às três bases fundamentais para o nosso desenvolvimento.
Os crimes contra a zona franca são os que se conhecem.
O turismo é sabotado por uma política de preços de transportes aéreos na companhia majestática portuguesa, onde o percurso Lisboa-Funchal é comparativamente o mais caro em termos de distância percorrida. E a falta de autoridade do Estado português, que é forte sobre os mais fracos como nós, pactua com constantes greves ilegítimas nas áreas relacionadas com os Transportes, fazendo a Madeira e o Porto Santo diariamente perderem muito dinheiro.
O reforço das verbas para a promoção turística, tem de contar com a participação privada, pois é insustentável um modelo em que o sector público pague a maior parte do custo de promoção. Por outro lado, os estudos estão feitos e não pagaremos mais estudos que, como sabe a ACIF, para nada serviram, a não ser pagar a oportunistas.
Quanto à construção civil, decisiva para o Crescimento e o Emprego, está fulminada pelas políticas restritivas impostas erradamente em todo o território nacional.
Durante o período autonómico, o Estado português não cumpriu a Constituição no tocante às suas obrigações na Saúde e na Educação também nas Regiões Autónomas. Pagámos, só nestes dois sectores, à volta de nove mil milhões de euros. A nossa dívida é de seis mil milhões.
E sentimos que não vale a pena recorrer à Justiça competente, pois o tempo demonstrou-nos que Portugal não funciona como Estado de Direito quando o conflito jurídico é entre o Estado central e a Região Autónoma da Madeira.
Paralelamente a tudo o que se está a passar, surgiu um ataque concertado ao Partido maioritário na Região Autónoma, assente numa estratégia diferente que é a de tentar dividi-lo, bem como enfraquecê-lo por dentro.
Quem o faz, nomeadamente a partir de um grupo económico, em represália às minhas posições contra os poderes ocultos nas costas do Povo, e aproveitando-se de reconhecidas leviandades, quem desenhou esta nova estratégia percebeu que uma Oposição fraccionada em oito pequenos partidos políticos, nenhum destes constitui alternativa de poder.
Ora, sendo a pretensão, agravar ainda mais a situação para que os mais poderosos financeiramente possam adquirir barato os que se encontrem em grandes dificuldades, como sucedeu na Madeira do final dos anos vinte e dos anos trinta, do século passado, tal pretensão passa pela desestabilização.
E como não há alternativa partidária bastante, para promover essa desestabilização, passou-se a uma estratégia de tentar desgastar internamente a própria organização política que vem sendo a garantia da estabilidade.
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Quero Vos dizer, olhos nos olhos, que estou convicto de que até hoje, após a Autonomia, a Madeira fez o que tinha a fazer e enquanto era possível fazê-lo.
Mesmo as obras que estão por concluir, mais cedo ou mais tarde terão de ser acabadas, pois, tal como estão, significam rentabilidade zero para o investimento até agora aí feito. Mas pior seria não as termos começado, pois então estariam condenadas a nunca mais serem iniciadas e realizadas.
Não é segredo, seja para quem for, que o cumprimento do Plano de Ajustamento Financeiro significa estarmos sujeitos às leis impostas e honrar os compromissos assumidos.
Mas também todos sabem que, para o Governo Regional da Madeira, não nos parece certo o caminho escolhido pela Europa. Os povos europeus, legitimamente, começam a se revoltar contra soluções que não são de Crescimento, nem de Emprego, que não fazem à austeridade corresponder uma luz no fundo do túnel.
Não o digo por catastrofismo ou por pessimismo. Pelo contrário, ante a confusão e a impotência internacionalmente instaladas, todos os que nos conhecem, sabem que o Governo Regional da Madeira não cederá, nem desistirá de chegar “aos amanhãs que cantam”.
Mas, assinado o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro da Região Autónoma da Madeira, julgou o Governo Regional que estavam criadas as condições para a indispensável estabilidade de funcionamento no quadro da austeridade necessária, embora só o tivéssemos aceite em estado de necessidade, sem termos outra alternativa e, que fique claro, sem concordarmos com a política nacional em vigor.
Porém, as transferências financeiras não estão a ocorrer com a pontualidade e a celeridade desejadas, apesar de a Madeira estar a cumprir aquilo a que se prontificou, conforme atesta o relatório de avaliação do Programa referente ao 1.º trimestre de 2012.
Infelizmente, existe um impasse quanto às prioridades de pagamento de dívidas, pois sendo a população madeirense a pagar os empréstimos constantes do Programa de Ajustamento, obviamente que é legítima a prioridade às pequenas e médias empresas. É ilegal a disponibilidade do dinheiro emprestado à Região Autónoma, contrária a esta decisão que a Constituição nos consagra como Direito, mesmo invocando a «vontade da troika». Recorde-se que a proposta apresentada pela Região, e que se diz a «troika» discordar, vai no sentido de, por um lado, serem pagas todas as dívidas de valor inferior a 500 mil euros – o que permitia, com um montante de 78 milhões de euros (4% da dívida total), regularizar a totalidade da dívida a 5.862 fornecedores (97% deste universo) – e, por outro, serem encetadas negociações com os restantes 176 credores para, com estes, estabelecer acordos de pagamentos, faseados no tempo.
A situação na Madeira agrava-se, pelo que não seguir as prioridades de pagamento propostas pelo Governo Regional, seria de uma insensibilidade económica e social muito grave.
Neste impasse, urge também regularizar as dívidas do sector da Saúde.
Disto dei conhecimento à República, até para responsabilização ante qualquer eventual situação grave que venha a suceder.
As imprescindíveis verbas do Fundo de Coesão, previstas na “Lei de Meios”, aprovada pela Assembleia da República, a que temos direito e que são necessárias para minorar os efeitos do Programa de Ajustamento, também não estão resolvidas.
O Governo Regional considera o Estado português não honrar a sua palavra, bem como uma falta de respeito ante as catástrofes que vitimaram o Povo Madeirense, se pretender reduzir estas verbas que foram acertadas entre o Estado e a Região Autónoma em troca da suspensão da última Lei de Finanças Regionais aprovada na Assembleia da República, redução que nem o Plano de Ajustamento prevê.
Estão ainda em falta também verbas dos Fundos relacionados com o Ministério da Agricultura, bem como dos acertos de receitas fiscais de anos anteriores.
A agravar a situação, não temos ainda a garantia da entrega da totalidade das receitas fiscais que são arrecadadas na Região e que nos são legalmente devidas, sendo urgente, neste âmbito, a revisão da Portaria do IVA, bem como a verificação de todos os circuitos da receita.
Não existe a mínima dúvida constitucional de que os impostos pagos na Região Autónoma da Madeira são efectivamente nossos.
A paragem nas obras de algumas acessibilidades, acarreta o ridículo de estarem os túneis e as vias a céu aberto prontos, mas porque não foi possível financeiramente construir os viadutos, todo o investimento está em coma, sem que haja a visão e a sensibilidade para perceber isto.
Quanto ao Centro Internacional de Negócios da Madeira (zona franca), não vemos o entusiasmo e a pressão imprescindível de Lisboa, nesta matéria tão decisiva para a Madeira e criminosamente tratada pelo Governo socialista. Matéria tão decisiva, a ponto de talvez justificar uma reflexão sobre a nossa saída do âmbito da União Europeia, se necessário, a exemplo de outros territórios autónomos noutros Estados soberanos europeus.
Face a este quadro de situação, é evidente o protesto da população madeirense contra o comportamento do Estado português, o qual nos faz cumprir aquilo a que nos obrigámos, mas que não cumpre aquilo a que se obrigou, e que é responsável por um mal-estar político para com a Região Autónoma, pondo em causa a coesão mútua que constrói uma Nação.
Anulados cirurgicamente os três vectores fundamentais da Economia madeirense, Turismo, Zona Franca e construção civil, tendo a população madeirense suportado o encargo de todos os investimentos ou a respectiva dívida desde o início da Autonomia Política, e não cumprindo o Estado as suas obrigações constitucionais nas áreas da Saúde e da Educação – o que levou à dívida da Região Autónoma – não se estranhará que os Madeirenses e Portossantenses se interroguem sobre o posicionamento da República Portuguesa ante todos nós, e vice-versa, numa situação de todo lamentável, mas, na verdade, à qual se chegou.
Creio que é de Interesse Nacional, de uma vez por todas, encarar a resolução destas matérias, sem segmentações desarticuladas e sem mais protelamentos.
É incompetência pensar ser possível governar sem definições e opções claras.
Em Portugal, e portanto também na Madeira, estamos a chegar ao momento de todas as clarificações. Desde o próprio regime político às relações entre Estado e Região Autónoma.
Às vezes, ao menos, as crises trazem-nos isto de positivo.
Repito que continuo disposto a propôr a transformação em Lei, das propostas que a ACIF me apresente, e que é necessário que mas apresente.
E quero-Vos dizer Senhores Empresários que sou o mesmo presidente do Governo que em 1978 tomou posse pela primeira vez.
Sou o mesmo cujo Partido político se chama Madeira e continuo a não estar disposto a me misturar com o secundário e o medíocre que, na nossa sociedade madeirense, tantas vezes na História nos fez ficar pelo caminho.
Sou o mesmo que, Convosco, outra coisa não sei, senão ir em frente.
Sou o mesmo que não só mantém uma Esperança fundamentada num futuro melhor para o Povo Madeirense, como tenho a certeza de que assim sucederá, por cima de todas e quaisquer dificuldades.
Sou o mesmo com todo o respeito por Vós, Senhores Empresários.
Continuo a ter a convicção que sois a grande alavanca de sempre para o futuro da nossa pequena pátria madeirense, assim contribuindo para o renascer da mátria portuguesa.