quarta-feira, 18 de março de 2009
Madeirenses no Brasil
A PRESENÇA E A ACÇÃO DOS MADEIRENSES NO BRASIL,
CONTRIBUTO PARA O POVOAMENTO
CONTRIBUTO PARA O POVOAMENTO
1. Indicadores da imigração e da presença
Afrânio Peixoto, em carta dirigida ao Arquivo Distrital do Funchal, em 1936, quando embaixador do Brasil em Portugal, escrevia: “A Madeira foi entreposto, estação de passagem para o Brasil (...)
Canas de açúcar, espécies vegetativas, gado, tudo foi daí ...
Que documentos haverá disso? Foram daí as vinte primeiras famílias que fizeram sementeiras de brasileiros ...
Haverá documentos disso? Até o nome lhe não sabemos...” [1][1].
Infelizmente, continuamos a desconhecer os registos sobre estas famílias. No entanto, estamos certos da presença madeirense no Brasil desde o início da colonização deste enorme espaço geográfico. Mas quem, pela primeira vez, terá emigrado para o Brasil? Não sabemos. Todavia, através de uma aturada pesquisa, foi-nos possível detectar a presença constante do elemento madeirense na nossa então colónia sul-americana. Assim e como os documentos nos indicam, D. João III, em 1530, enviou Martim Afonso de Sousa num navio que, segundo alguns historiadores, levava cana de açúcar da Madeira, para um determinado local do litoral do Brasil [2][2]. Thomas Crasley, um inglês que afirma ter integrado essa armada, declara, em carta dirigida a um mercador londrino, que na Ilha da Madeira um cristão-novo pediu licença para embarcar com a esposa e quatros filhos menores e que Martim Afonso aquiesceu [3][3]. A este propósito, parece-nos perfeitamente plausível a hipótese levantada por Alberto Artur Sarmento, de que terão sido os ocupantes da armada de Martim Afonso que baptizaram o hoje bem conhecido morro Pão de Açúcar, possívelmente porque este morro tem a forma do conhecido pão de açúcar madeirense.
Outro aspecto interessante a realçar e a reforçar a ideia da presença de madeirenses nesta armada é o facto de, na mesma época, ter sido dado o nome de Ilha da Madeira a uma ilha de Guanabara, depois ilha das Cobras. Por outro lado, sabemos que o rei, por alvará de 1515, ordenou ao feitor e oficiais da Casa da Índia que “procurassem e elegessem um homem prático e capaz de ir ao Brasil dar princípio a um engenho de açúcar; e que se desse uma ajuda de custo e também todo o cobre e ferro e mais coisas necessárias” [4][4].
Quem melhor que um madeirense para levar a cabo esta tarefa?
Certamente que importava ter um bom conhecimento técnico açucareiro, não existindo a possibilidade de obtê-lo de “motu proprio”. E, nessa época, um quase monopólio desse conhecimento estava nas mãos dos madeirenses. Aliás, o padre João Antonio Andreoni publicou uma espécie de manual de agricultura colonial, onde tratava também do açúcar, livro que foi apreendido e destruído, logo após a sua publicação, para que não se divulgassem conhecimentos considerados um exclusivo madeirense [5][5].
Estamos, portanto, em crer que, com Martim Afonso, foram colonos da Ilha da Madeira, assim como com o governador do Brasil, Manuel Teles Barreto, que partiu de Lisboa, a 5 de Março de 1583, demorando depois a sua nau, Chagas de São Francisco, dez dias na Ilha da Madeira, findos os quais rumou para a Baía, onde aportou a 9 de Maio [6][6].
Aliás, Pedro Calmon afirma que “pelo género de lavoura a que se entregaram os maiorais da frota de 1530 - canaviais e fabrico de açúcar - se vê que tinham trazido, ou por êsse tempo mandaram trazer, as mudas necessárias, e pretendiam fazer de São Vicente outra Ilha da Madeira. Acertaram” [7][7] . E acrescenta o mesmo autor: “ deu-lhes ( a Duarte Coelho e a Martim Afonso) as condições de vida no novo meio, com os primeiros auxílios, sendo os mais úteis as mudas de cana-de-açúcar e os mestres de fabrico, da Madeira, com os privilégios que os habilitariam a repetir nas suas terras a experiência da Ilha [8][8].
Mas a participação de madeirenses na colonização do Brasil tinha apenas principiado. Assim e como oportunamente notou Fernando de Meneses Vaz, Constantino Caires, que terá regressado do Brasil em 1535, possuia “uma serta fazenda no Brasil ” que vendeu antes de 1543, data do testamento de sua mulher Isabel Gramacho. Segundo o mesmo autor, Constantino de Caires é o mais antigo nome conhecido de entre os madeirenses que foram para o Brasil no período inicial da sua colonização. No entanto, é provável que outros o tenham precedido, pois que o Papa Leão X, pela sua bula de 1514, fizera sufragâneas do bispado do Funchal as “partes do Brasil” [9][9].
Também em 1545, entraram isoladamente naquele território madeirenses não só da classe popular como da nobreza insular, entre os quais Domingos de Góis, natural da ilha da Madeira, e sua primeira mulher Catarina de Mendonça, com quem já veio casado da dita ilha para S. Vicente. Conforme acentua Pedro de Taques “foi um dos casaes dos primeiros povoadores de S. Paulo, transmigrados da villa de S. Vicente, onde tiveram o primeiro estabelecimento para a fundação de S. Paulo” [10][10]. Esta casa madeirense vai entrelaçar-se através do casamento com algumas das principais famílias de S. Paulo, nomeadamente a de Buenos de Ribeira e a de Taques Pompeu, através, respectivamente, de uma neta e de um bisneto de Domingos de Góis, a saber Margarida de Mendonça, que casou na igreja matriz de S. Paulo, a 24 de Outubro de 1638, com um neto do capitão-mor governador Amador Bueno, do qual era homónimo, e Manuel Góis Raposo, que casou em S. Paulo, a 25 de Fevereiro de 1635 com D. Mariana Pompeo Taques. Conforme acentua o autor da Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica “foram pessoas de estimada nobresa, por cujo merecimento conseguiram casamentos de igualdade de seus filhos” [11][11].
Segundo a mesma fonte, a família Toledos Pizas, de S. Paulo, apresenta igualmente elementos madeirenses. Assim, o mestre de campo Carlos Pedroso da Silveira, neto de D. Simão de Toledo Piza, casou com D. Isabel de Sousa Evanos Pereira, bisneta de João de Sousa Pereira de Botafogo ou João Pereira de Sousa Botafogo [12][12], natural da cidade de Elvas, e da madeirense [13][13] D. Maria da Luz Escorcio Drumond, filha do capitão da fortaleza de Santos, Manuel da Luz Escórcio Drumond, natural da Ilha da Madeira, “de onde viera para São Vicente com sua mulher, três filhas e um filho, e enviuvando em São Vicente, casou segunda vez o dito Drumond, e se recolheu para o Rio de Janeiro com seu genro João de Sousa Botafogo” [14][14].
Também o madeirense Gaspar Fernandes se encontrava no Brasil nos inícios da centúria de quinhentos, dado que, em 1547, foi degredado do Brasil para S. Tomé [15][15].
Depois de estabelecidos os primeiros povoadores, muitas mais famílias vieram da Madeira para S. Vicente, como consta dos registos das sesmarias através dos quais constatamos também os pedidos feitos pelos povoadores, alegando que necessitavam de mais terra da que já possuíam, por terem chegado suas esposas e filhos [16][16]. De entre estes, Frei Gaspar da Madre de Deus refere que vieram vários elementos da nobreza [17][17]. Também em relação a Pernambuco se regista o protagonismo madeirense. Assim, uma das famílias mais antigas da capitania de Pernambuco é a família Lira, aí iniciada por Gonçalo Novo que veio da Madeira, de onde era natural, para esta capitania no início do seu povoamento. Acompanhou-o a esposa Isabel de Lira e os seus quatro filhos: Gonçalo Novo de Lira, Gaspar Novo de Lira, João Dias de Lira e Maria Nova de Lira.
Esta família entrelaçou-se, diversas vezes, no Brasil, com elementos de outras casas madeirenses. Para comprovar esta nossa afirmação, gostaríamos de salientar que Bárbara de Lira, neta por via materna de Gonçalo Novo e de sua esposa Isabel de Lira, casou com António Taveira, que era filho de Salvador Taveira, natural da Ilha da Madeira. Também um filho deste matrimónio se ligou a uma casa madeirense. Estamos a referir-nos a D. Maria de Lira que casou, na Mata, com Gaspar de Mendonça de Vasconcelos, natural da Ilha da Madeira.
Ainda outros bisnetos de Gonçalo Novo e de Isabel de Lira se ligaram a casas madeirenses. É o caso de Gonçalo Novo de Lira, o Ruivo, homónimo de seu pai, que casou com Paula Vieira de Melo, neta por via materna de Marcos Fernandes Bettencourt e de Paula Antunes Moniz, naturais da Ilha da Madeira; e de Francisco Correia de Lira, que se casou com Maria Borges Pacheco, natural da Paraíba, que era filha dos madeirenses João de Souto e de sua esposa Ana Roqua. O neto destes últimos, João de Souto Maior, casou com sua prima, Margarida Moniz. Aliás, não será a única trineta de Gonçalo Novo e de Isabel de Lira a ligar-se através do matrimónio com uma estirpe madeirense. Efectivamente, mais três trinetos o farão. São eles, Gonçalo Novo de Brito, que casou com D. Cosma da Cunha de Andrade, neta por via materna do Coronel Pedro da Cunha de Andrade, e de sua segunda mulher D. Cosma Froes e bisneta de Rui Gonçalves de Andrade, fidalgo da Ilha da Madeira; Francisco de Brito Lira, que se consorciou com D. Juliana de Drummond, filha de Leandro Teixeira Escosia de Drummond, natural da Ilha da Madeira e de D. Victória de Moura; D. Ana de Lira, que foi casada com um seu parente, Manuel de Vasconcelos Calaça, também natural da Ilha da Madeira [18][18].
Também a família pernambucana Cunha teve origem num madeirense: Pedro da Cunha de Andrade. Era filho de Rui Gonçalves de Andrade e de D. Joana, Jerónima ou Leonor da Cunha [19][19]. Era, ainda, membro desta família o Dr. Joaquim António de Oliveira Álvares, nascido no Funchal, em 19 de Novembro de 1774. Era filho de Lourença Rosa Justiniana e de Domingos de Oliveira Álvares, e foi marechal do exército brasileiro, ministro da Guerra, do Império e Oficial da Ordem do Cruzeiro. Jaz sepultado no cemitério Père Lachaise, em Paris, porque faleceu quando se dirigia para essa cidade em busca de cura para as suas enfermidades [20][20]. De realçar que esta família madeirense, como muitas outras, vai continuar, através dos séculos, com contactos estreitos com o Brasil. A comprovar esta nossa afirmação está o facto de que, no século XIX, Carlos Gil Soares Ferreira casou com D. Adelaide Bettencourt Sardinha, natural do Brasil. Não tiveram filhos. Seu irmão, Vasco Rogério Soares Ferreira, faleceu também no Brasil. Era solteiro. Eram filhos de D. Maria Filomena Soares e de Manuel Gil Ferreira.
Igualmente as famílias pernambucanas dos Regueiras e Saldanhas tiveram como tronco uma família madeirense. Estamos a referir-nos ao tenente de infantaria, Gaspar Lopes Madeira e a sua esposa D. Lusia Ferreira, naturais da Ilha da Madeira. Como oportunamente realçou Borges Fonseca, eram descendentes de duas distintas e antigas famílias e possuiam muitos bens em Pernambuco [21][21].
E a estes casos, outros se poderiam adicionar, como é o caso da família madeirense Moniz Barreto, tronco da sua homónima no Brasil [22][22]. Aliás, esta casa madeirense, vai concorrer grandemente para o povoamento de Terras de Vera Cruz, através de um filho, seis netos e três trinetos de Vasco Martins Moniz, o primeiro desta família a povoar a Ilha da Madeira e que faleceu em 1510. São eles, respectivamente, Diogo Moniz que foi para o Brasil com sua casa, depois do seu matrimónio com D. Filipa de Mendonça e aí viveu com geração; Pedro Moniz e Vasco Moniz, que embarcaram na armada de Luís de Melo em 1554 e nela pereceram; Duarte Moniz Barreto, que foi alcaide mór da Baía; Henrique Moniz Teles, que foi para o Brasil, em 1602, e aí casou com D. Leonor Antunes; Diogo Moniz, que casou no Brasil e teve um filho, de nome Egas Moniz; Jerónimo Moniz, que viveu na Baía onde casou e teve um filho de nome Francisco Moniz; Egas Moniz de Meneses, que foi para o Brasil, onde casou, mas não teve geração [23][23].
Também a família Moniz Barbosa, do Caniçal, deu o seu contributo para a construção do Brasil, através de um filho de Agostinho de Góis e de D. Helena Borges que foi para Terras de Vera Cruz. Desconhecemos o seu nome, mas sabemos que era neto de Manuel Barbosa Moniz e de D. Maria de Vasconcelos [24][24].
Os Monizes madeirenses vão concorrer na formação da família pernambucana Vieira de Melo, que teve origem em António Vieira de Melo cavaleiro fidalgo, natural de Cantanhede, que foi para Pernambuco antes dos holandeses e que casou, nesta capitania, com Margarida Moniz, filha de Marcos Fernandes Bettencourt e de Paula Antunes, naturais da Ilha da Madeira. Também um neto e uma bisneta, por via paterna, destes madeirenses vão casar-se com descendentes de madeirenses. São eles, respectivamente, Bernardo Vieira de Melo, um dos filhos de António Vieira de Melo e de Margarida Moniz, cavaleiro fidalgo e capitão da ordenança, que se vai casar com Maria Camelo, que era neta por via materna de António Barriga, da Casa dos Morgados de Paredes em Viana e de Isabel Lopes, natural da Madeira [25][25]. E D. Margarida Moniz de Melo que se consorciou com o pernambucano, Matias de Albuquerque Maranhão, nascido do casamento de D. Catarina Simoa de Albuquerque com o coronel Luís de Sousa Furna [26][26].
Este último nome aponta-nos para uma outra família pernambucana que teve início num filho da Pérola do Atlântico: a família Furna que provém do madeirense António Fernandes Furna, cavaleiro da Ordem de São Tiago e/ou da Ordem de São Bento de Aviz [27][27] que foi para Pernambuco como Capitão-Mór e Governador do Rio Grande. Em 1608, vivia com sua esposa, D. Beatriz de Sousa e Abreu, natural da então vila de Olinda. Era pai do citado Luís de Sousa Furna que foi “pessôa de grande autoridade e de grossos cabedaes, na Capitania da Parahyba, proprietário dos officios de Juiz dos Orphãos e Escrivão da Camara da mesma Capitania” [28][28], e de António Fernandes Furna, seu filho primogénito que casou na Madeira com D. Catarina de Aragão, natural da Ilha da Madeira.
Também a família dos Carvalhos de Pernambuco teve a sua génese em dois bisnetos por via materna do Dr. Pedro Berenguer de Alcaminha, fidalgo catalão que casou na Ilha da Madeira com Isabel Rodrigues de Andrade, das mais conhecidas casas daquela Ilha [29][29] . Eram eles os irmãos, Bernardino de Carvalho e Sebastião de Carvalho, que foram para a capitania de Pernambuco antes dos holandeses, que a tomaram em 1630. Carlos Xavier Paes Barreto informa-nos que um dos mais antigos engenhos de Pernambuco foi o Velho, de Bernardino de Carvalho [30][30]. Pensamos que se trata do irmão de Sebastião de Carvalho. Também uma neta de Bernardino de Carvalho, D. Maria de Carvalho, casou com António Curado Vidal, [31][31] neto, por via materna, de Francisco Vidal, natural de Santarém, e de Catarina Ferreira, natural da Ilha de Porto Santo [32][32].
A família Freitas, da Madalena do Mar, é uma outra família a salientar, no povoamento e colonização do Brasil. Assim, esta casa madeirense deu o seu valioso contributo em Terras de Vera Cruz, através de dois netos, dois bisnetos e um trineto de Nuno Rodrigues de Freitas e de D. Leonor da Silva, que vão casar em Pernambuco. São eles, respectivamente, Jacinto de Freitas da Silva que casou, com D. Sebastiana de Albuquerque, neta de Jerónimo de Albuquerque, Governador de Pernambuco pelos anos de 1570, e de sua mulher D. Filipa de Melo [33][33]; António de Freitas da Silva que casou com D. Jerónima Pais de Azevedo; João de Freitas da Silva, que se ligou, através de laços matrimoniais, com D. Luísa de Andrade; Duarte de Albuquerque, que casou com D. Mecia Accioli de Moura e Jacinto de Freitas Accioli, que se consorciou com D. Isabel. Mencione-se também um neto e um trineto de Nuno Rodrigues de Freitas e de D. Leonor da Silva de Vasconcelos, respectivamente, João de Freitas da Silva, que morreu solteiro, em Pernambuco, em 1633, e João de Freitas da Silva, que casou na Ilha da Madeira com uma sua prima-irmã, D. Catarina de Albuquerque, mas que viveu em Pernambuco. De referir que deste matrimónio nasceu António de Freitas da Silva, que viveu também em Pernambuco e que se casou com uma filha de Manuel Carneiro da Cunha [34][34]. A esta família nos iremos referir mais tarde.
A estas casas madeirenses, que tanto contribuíram para a génese da família Pernambucana, muitas mais lhes poderíamos juntar. Na verdade, e como observou Carlos Xavier Paes Barreto, depois do Minho foi a Madeira a região que mais pessoas forneceu para a formação da família pernambucana [35][35]. Como muito bem salienta este autor, algumas estirpes terão perdido o nome de origem, como Alardo Favela que se ligou a Vasconcelos, Saavedra que se juntou a Ornelas, Herédia que continuou com Lucena, Cunha que se misturou com Gonçalves e Delgado que foi continuada em Vasco Martins Barreto.
Da ilha da Madeira é o tronco dos Aguiar, em que figura Francisco de Aguiar, donatário do Espírito Santo. Descendente de João Afonso de Aguiar e Maria Esteves, era pai de Diogo Afonso de Aguiar e Isabel Gonçalves.
A família Andrade deriva de Agostinho César de Andrade e de Fernão Dias de Andrade, os Ferreiras provêm de António Fernandes Ferreira e os Ornelas de Bartolomeu Ornelas.
Francisco Berenguer de Andrade, sogro de João Fernandes Vieira, procede dos Berengueres de Lusignano, de Leminhana ou Lumilhana [36][36]. Também o seu irmão, o padre Agostinho César, embarcou para o Brasil, onde faleceu, assim como os filhos de Agostinho César de Abreu e de D. Helena Josefa Mariana, Francisco César Berenguer e Diogo António Berenguer, que casaram na Baía. Este último casou na freguesia de Nossa Senhora do Monte do Recôncavo, a 23 de Setembro de 1769, com D. Ana Maria Borges de Barros [37][37].
A família Câmara procede de João Gonçalves Zarco, descobridor da Ilha da Madeira e Carvalho, de Paio Rodrigues de Carvalho, filho de Rodrigues Alves de Carvalho, e também de Antão Álvares de Carvalho, chamado de São Gil, e ainda de Gonçalo Ferreira de Carvalho e Branca Afonso, pais de Maria Pimentel, casada com Simão Acioli [38][38]. Compulsando-se atentamente o Nobiliário Genealógico das Famílias de Henrique Henriques de Noronha, constata-se que a família Câmara vai participar na construção de terras de Vera Cruz através de D. Jerónimo de Ataíde e de D. Álvaro de Abranches. Este último voltou para o Reino onde participou na Aclamação.
A estirpe pernambucana Carneiro da Cunha começa com Manuel Carneiro de Mariz. Escreve a seu respeito António Borges da Fonseca : “Manoel Carneiro de Mariz, filho segundo de João Carneiro de Mariz [39][39] e de D. Maria Coresma, servio com muita honra na guerra dos Hollandezes”. Mais salienta, que foi senhor do engenho de São Sebastião da Várzea através do seu casamento com D. Cosma da Cunha, filha de Pedro da Cunha de Andrade, fidalgo da Casa Real e de sua segunda mulher [40][40].
Da ilha eram ainda António da Costa Gadelha, António Toledo Machado, António Santiago, António Teixeira de Melo, Baltazar de Sinelas Valderezzo, Diogo de Aragão, Domingos Gonçalves Faria, Elesbão Barreto Freire, Francisco Andrade, Francisco Mendes de Bulhões, Francisco Val Aranha, Gaspar de Mendonça e Vasconcelos, João Mendes de Vasconcelos, Luís Gonçalves Bulhões, Manuel Gonçalves Bulhões, Manuel Martins, Pedro Fernandes da Silva, Pedro Paiva Barreto, Pedro Teive, Sebastião Nunes Gaspar Lopes e António Carvalho de Vasconcelos, alguns dos quais militares em Pernambuco [41][41] . Este último foi acompanhado para a Baía, com sua esposa. Após o falecimento desta, este madeirense casou com D. Joana de Albuquerque, filha do capitão-mor Tomé Teixeira Ribeiro e de sua mulher D. Brites de Albuquerque. Deste matrimónio nasceu uma filha única: D. Maria da Conceição de Albuquerque que casou e teve geração [42][42].
Madeirenses eram igualmente Francisco de Figueira, António Fernandes Ferreira, ascendente dos Pessoas [43][43] e Jordão Luís Teles, nascido na Ribeira Brava. Este último habitou na Baía, onde fez um requerimento para ser familiar do Santo Ofício que foi rejeitado, por despacho de 8 de Outubro de 1673. Era filho de Beatriz Martins e de Francisco Fernandes, tanoeiro [44][44].
Também Maria Fernandes, irmã de Francisco Fernandes, possuiu propriedades no Brasil. Segundo o autor de Famílias da Madeira e Porto Santo, teria embarcado, com seu marido Gaspar Pimenta, para o Brasil, de onde regressaria só. Faleceu na Ilha da Madeira, em 5 de Novembro de 1669 [45][45].
Nesta odisseia emigratória da Ilha da Madeira para o Brasil destacam-se ainda D. Félix de Bettencourt e Sá, neto de Francisco de Bettencourt e Sá, que nasceu no Funchal em 1667 e foi para a Baía por volta de 1685, onde casou com D. Catarina de Aragão e Aiala, viúva de Jorge de Brito Bettencourt e da qual teve geração [46][46]; D. Maria Isabel Bettencourt, filha de António de Aguiar e de D. Maria Clara, que casou na Baía com João Ferreira dos Santos [47][47]; dois filhos de António de Brito de Oliveira e de D. Isabel de Atouguia Bettencourt, Jorge de Brito, que nasceu em Setembro de 1662 e morreu no Brasil, solteiro e sem geração, e Gonçalo de Brito que encontramos casado na Baía [48][48]; António Figueira, filho de Domingos Figueira e de Maria Gonçalves, que estava no Brasil quando sua mãe faleceu, a 24 de Junho de 1672 [49][49]; Francisco Gregório Drummond, baptizado em Santa Cruz, em 16 de Maio de 1754, que casou, no Rio de Janeiro, em 1780, com D. Maria Leonor de Morais Pisarro, filha de Francisco Morais Sarmento Pimenta e de D. Beatriz Ana de Vasconcelos Drummond Pisarro [50][50]; Francisco Brum que era filho de Manuel Brum de Vasconcelos e de Antónia Maria [51][51]; D. Ana Francisca da Fonseca Drummond, que nasceu em Santa Cruz, Madeira, em 8 de Março de 1607, e faleceu, em 1664, em Merity, Rio de Janeiro [52][52]; o Capitão Belchior de Mendonça e Vasconcelos, fidalgo da Casa Real que foi para o Brasil, onde casou, por volta de 1660, com D. Maria Coluna e aí faleceu [53][53]; Martim da Silva Favela que se chamou primeiro, Martim Vaz de Cairos, que nasceu em 1585, do matrimónio de António Favela de Vasconcelos, com D. Isabel Gramaxo, e que casou no Rio de Janeiro com D. Violante de Sousa, filha de Pedro Fernandes Rafael e de Domingas Violante, madeirenses [54][54], moradores nos Ilhéus do Rio de Janeiro; Diogo Carreiro de Castro, filho de Tristão Gomes de Castro e de D. Andreza de Abreu, que morreu solteiro e sem geração, no Brasil, indo para as Índias [55][55]; Manuel Homem de Sousa, filho de Garcia Homem de Sousa e de D. Helena Ferreira, que casou, na Paraíba, com D. Vicência Cabral; seus filhos, Garcia Homem de Sousa, que morreu, sem geração, queimado pelos tapuias, D. Maria de Azevedo, D. Simoa da Silva e D. Isabel da Silva que morreram solteiras naquela capitania e D. Francisca de Aragão, esposa de João Frazão de Figueiroa, que tiveram geração [56][56]; Diogo Pereira da Silva, nascido em Maio de 1613, do matrimónio de Nicolau Mendes de Vasconcelos com D. Francisca de Sande, que casou no Brasil e teve geração [57][57]; Martim Mendes de Vasconcelos, filho de Lourenço Mendes de Vasconcelos e de D. Joana, que também casou no Brasil, e teve geração [58][58]; Manuel de Vasconcelos, filho de Tomás Mendes de Vasconcelos, que depois de servir no Brasil se tornou frade do Carmo [59][59]; D. Isabel, filha de Pedro Teixeira de Vasconcelos e de Isabel Lomelino, que foi com seu esposo, Pedro ou Belchior Jorge de Castro, da Ilha de Porto Santo [60][60] para o Brasil, onde tiveram geração; Manuel Moniz, filho de Francisco Moniz da Câmara e de Ignez da Trindade e neto de Heitor Nunes Berenguer, que foi para o Maranhão [61][61]; Agostinho César Berenguer, filho de José de França Berenguer e de D. Maria de Castello Branco foi para o Brasil, onde casou [62][62]; Veríssimo de França, nascido do matrimónio do capitão José de França e Andrade com D. Maria Josefa Drummond [63][63]; Luís de Ornellas Magalhães que casou em Pernambuco com D. Leonor da Cunha, assim como seu primo e o seu neto, respectivamente, o morgado Baltasar de Ornelas Magalhães e o morgado José de Ornelas de Magalhães [64][64]; António de Morais Catanho, filho de Fernão Morais de Vasconcelos e de Maria Catanho que casaram em Machico, em 1636, foi para Minas Gerais [65][65]; os filhos de Martim Mendes de Vasconcelos e de D. Francisca de Sande a saber: António Pereira, que morreu num desafio no Brasil, Martim Mendes de Vasconcelos que passou ao Brasil onde parece ter casado e Diogo Pereira da Silva que casou no Brasil com D. Isabel [66][66]; Manuel da Câmara Leme Homem de Vasconcelos que foi para o Brasil em 1751[67][67]; e Manuel Ferreira Ribeiro, filho de Diogo Ferreira Ribeiro e de Helena Martins da Fonseca, que morreu no Maranhão, sem geração [68][68].
De outros desconhecemos o nome, sabendo, no entanto, o dos seus progenitores. São os casos dos filhos do almoxarife Álvaro Rodrigues Calaça e de Maria Nunes, à excepção de Manuel Escórcio Ferreira e de Álvaro Escórcio Ferreira [69][69]; de um filho de Fernão Favela de Vasconcelos e de D. Maria Salazar [70][70] e de um filho de Luís Mendes de Vasconcelos e de D. Isabel, que foi para o Maranhão [71][71]. Apontem-se ainda os casos de um filho de Agostinho Góis e de D. Helena Borges [72][72]; de um filho do capitão-cabo Pedro de Faria [73][73]; e de um filho de Sebastião Pimentel, que estava ausente no Brasil, quando seu pai, apontador das Obras Reais, faleceu [74][74].
A estes nomes que, só por si, evidenciam bem o protagonismo dos madeirenses na colonização e povoamento do Brasil, poderíamos juntar todos aqueles que a Nobiliarchia Pernambucana nos fornece. Através de uma pesquisa minuciosa, o historiador atento encontra aí elementos que o podem levar a testemunhar o papel protagonista desempenhado pelo madeirense ao longo de toda a construção do Brasil. Por outro lado, esta obra comprova mais uma vez o entrelaçar, através do casamento, das famílias mais distintas de Pernambuco com elementos madeirenses ou seus descendentes a viver no Brasil. A estes enlaces matrimoniais se refere também o autor dos Diálogos das Grandezas do Brasil, escritos em 1618, em que observa perspicazmente que afluíram, espontaneamente, ao Brasil “muitos homens nobilíssimos e fidalgos, os quais casaram nele, e se ligaram em parentesco com os da terra, em forma que se há feito entre todos uma mistura de sangue assaz nobre” [75][75].
Não iremos ser exaustivos na enumeração de exemplos comprovativos desta situação, apenas gostaríamos de mencionar alguns casos que, só por si, demonstram a veracidade da nossa afirmação.
Assim, as casas de Pernambuco “Barbalho Silveira”, “Carrasco”, “Carvalho” e “Moura” associaram-se com famílias madeirenses através do matrimónio de suas filhas com elementos naturais da Pérola do Atlântico. De facto e respectivamente, D. Maria da Assunção, casou com Francisco Cardoso [76][76]; D. Teodósia Ferreira casou com Ferreira Pedro Fernandes da Silva [77][77]; D. Victoria de Carvalho casou com Manuel do Canto de Castro de Almeida [78][78] e D. Ignez Francisca de Moura, casou com o Dr. Lourenço de Freitas Ferraz e Noronha. Do seu matrimónio nasceu um único filho, Filipe de Moura Accioli que foi viver na Ilha da Madeira [79][79].
Igualmente alguns descendentes pernambucanos de Arnau de Holanda e de sua mulher Brites Mendes de Vasconcelos vão unir-se através do casamento com descendentes de naturais da Ilha da Madeira. São os casos de D. Bernarda de Albuquerque, que casou com o capitão Estevão de Castro Rocha, bisneto por via materna de Francisco Gomes Moniz, homem distinto da Ilha da Madeira, e de sua esposa D. Isabel Gomes de Bulhões, natural da Paraíba [80][80]. E de António de Sá de Albuquerque, que casou com D. Joana de Ornelas, filha de Baltasar de Ornelas Valdevez, natural da Ilha da Madeira e de sua 2ª esposa D. Maria de Castro [81][81]. Também um filho destes madeirenses, Baltasar de Ornelas, casou com Ana de Albuquerque, da família pernambucana “Carvalho de Megaó” [82][82].
Note-se também Diogo Falcão de Eça, descendente de Adriana de Holanda, primeira filha de Arnau de Holanda e de sua esposa Brites Mendes de Vasconcelos, que casou com D. Úrsula Berenguer, filha de Francisco Berenguer de Andrade da Ilha da Madeira, e de sua 2ª mulher, D. Antónia Bezerra. Um neto destes últimos, Filipe de Sousa Falcão, vai casar com D. Maria Antónia César, sobrinha de Diogo Falcão de Eça. Um sobrinho deste último, José de Barros Cavalcante [83][83], filho de D. Antónia Cavalcante de Albuquerque e de Leão Falcão de Eça [84][84], casou com D. Sebastiana Teresa de Melo, trineta, por via materna, de António Bezerra e de Isabel Lopes, naturais da Ilha da Madeira [85][85]. Refira-se ainda D. Luísa de Albuquerque que casou com o capitão Diogo Soares de Albuquerque, seu primo e bisneto de nobres naturais da Ilha da Madeira que foram para Pernambuco [86][86]. Também Ana Correia de Brito, da família pernambucana “Bezerras Barrigas”, casou com Gonçalo Novo de Lira, o ruivo, filho de Gonçalo Novo de Lira, natural da Ilha da Madeira, e de sua esposa Joana Serradas. Elemento da mesma família era Miguel Bezerra Meneses que casou com D. Ana da Rocha Menezes, filha de Gabriel Cristovão de Menezes, natural da Ilha da Madeira e de sua esposa Bernarda Correia de Araújo [87][87].
A estes exemplos não queremos que falte referência a Marcos Soares de Oliveira que se ligou através de laços matrimoniais com Catarina Ferreira, filha de António da Fonseca Baião e de Maria de Gouveia, natural da Ilha da Madeira [88][88], e a duas descendentes de Jerónimo de Albuquerque e Maria Arcoverde, a saber, D. Joana de Albuquerque, que foi a primeira esposa de Francisco Berenguer, fidalgo da Ilha da Madeira [89][89] e Catarina da Rocha, que casou com Lourenço Mendes, filho de Jerónimo Teixeira Ribeiro, natural da Pérola do Atlântico [90][90]. Também um descendente de Pedro de Albuquerque e Melo “Governador da Capitania de Goyanna, Regimento della, Capitão-mor e Governador do Rio Grande, Senhor do engenho Bujari” [91][91], João Nuno de Freitas, foi casado com Maria Correia de Lira, filha de Cristovão Correia e de sua esposa Catarina de Lira, naturais da Ilha da Madeira.
Complete-se este quadro com mais duas famílias que se entrelaçaram, fortemente, através do matrimónio, com várias casas madeirenses. São elas as famílias pernambucanas Pessoa e Bandeira. Assim, e em relação à primeira, D. Sebastiana de Melo Albuquerque, bisneta do tronco desta família em Pernambuco, casou com o madeirense Jacinto de Freitas da Silva, Senhor do Morgado da Madalena da Ilha da Madeira. João Ribeiro Pessoa, casou em segundas núpcias com Ignez de Veiga de Brito, uma neta por via materna do madeirense Gonçalo Novo de Lira. Também um irmão, dois filhos, e um neto de João Ribeiro Pessoa contraíram matrimónio com naturais da Ilha da Madeira ou seus descendentes. São eles, respectivamente, Miguel Pessoa de Araújo, que casou com D. Maria Félix de Meneses, filha de António de Carvalho de Vasconcelos, natural da Ilha da Madeira e de sua primeira esposa D. Francisca Pereira; Luís da Veiga Pessoa, que se consorciou com D. Maria de Ornellas, filha do segundo matrimónio do capitão madeirense António de Carvalho de Vasconcelos com D. Luísa de Ornellas de Melo; João Ribeiro Pessoa, capitão da ordenança na vila de Iguarassú, que casou com D. Genebra de Vasconcelos Castro, neta por via paterna do madeirense Gaspar de Mendonça de Vasconcelos e de sua esposa Maria de Lira, e por via materna, de Manuel Escocia de Drumond, natural da Ilha da Madeira e, trineta por via paterna, de Salvador Taveira, e de José Dias de Lira; e João Ribeiro de Vasconcelos que se consorciou com D. Ana Joaquina César de Melo, neta dos madeirenses João Fernandes Vieira e Agostinho César de Andrade.
Saliente-se ainda que dois elementos desta família pernambucana casaram com duas netas por via paterna de Tomé de Castro e da madeirense Maria Nova de Lira. Assim, António Fernandes Pessoa, o Mingão, casou com Maria de Aguiar. E Braz de Araújo Pessoa casou com D. Catarina Tavares da Costa [92][92].
Em relação à família Bandeira, de Pernambuco, uma neta, três bisnetas e dois trinetos de Filipe Bandeira de Melo, o primeiro varão desta nobilíssima família pernambucana, casaram-se com naturais da Pérola do Atlântico. São eles, respectivamente, D. Isabel de Melo que casou com o madeirense António Lopes de Vasconcellos; D. Maria de Melo, que foi a primeira esposa de Baltasar de Ornelas Valdevez, natural da Ilha da Madeira “e das principaes familias della” [93][93]; D. Ignez Bandeira de Melo que casou com António de Sousa Lira, neto por via materna de João Dias de Lira e de Maria Fernandes, naturais da Ilha da Madeira; D. Laura de Melo, que casou com o capitão-mór Agostinho César de Andrade, natural da Ilha da Madeira; D. Luísa de Melo de Ornelas que foi a segunda esposa de António de Carvalho de Vasconcelos, também ele madeirense; e Jerónimo César de Melo que se ligará pelos laços do matrimónio com D. Maria Joana César, filha natural do madeirense João Fernandes Vieira, chefe ostensivo das forças insurrectas contra a dominação holandesa. Deste consórcio nascerão os descendentes de Vieira, representados por todos aqueles que legitimamente usam os apelidos César de Melo ou de Andrade” [94][94].
Elemento desta distinta família de Pernambuco é, ainda, D. Ana Isabel Pessoa Bezerra, filha de José de Melo César e de D. Mariana Bezerra de Azevedo, que casou com João Baptista de Abreu, bisneto por via materna de (?) Ferreira da Silveira, natural da Ilha da Madeira e trineto de Maria da Silveira e de Francisco Jaconte, também naturais da Ilha da Madeira. Era filho de António Fernandes Caminha e de D. Clara da Silva Carneiro [95][95].
A família Accioli, de origem italiana, passou da Madeira ao Brasil, onde teve grande influência. A título de exemplo, gostaríamos de mencionar os elementos Drummond e Accioli, que entraram fortemente em Pernambuco, trazidos da Ilha da Madeira, por Gaspar Accioli natural desta Ilha, neto de Simão Accioli (2º) e de Maria Pimentel Drummond, esta descendente de Maurice Drummond. Gaspar Accioli de Vasconcelos casou, em 10 de Junho de 1618, no Brasil, com D. Ana de Albuquerque Cavalcante, sua parente, e regressa à Madeira, onde vem a falecer, em 4 de Maio de 1668. D. Jerónima Accioli, sua irmã, casou no Brasil. D. Isabel de Vasconcelos, sua filha, vai residir na Ilha da Madeira, ao contrário de seus quatro irmãos que vão casar no Brasil. São eles: Gaspar Accioli de Vasconcelos, nascido em Abril de 1631, que se liga pelo matrimónio a D. Marianna Cavalcante, sua prima, e que não teve geração; Francisco Cavalcante, que nasceu em Outubro de 1635, e que também não teve geração; Zenóbio Accioli de Vasconcelos, nascido em Abril de 1619, que foi casado com D. Maria Pereira de Moura Cavalcanti e serviu nas guerras de Pernambuco onde foi Mestre de Campo; e por último, João Baptista Accioli, que nasceu em Pernambuco, em Abril de 1623, onde casou com sua prima, D. Maria de Melo. A eles nos referiremos mais tarde.
Também cinco netos de Gaspar Accioli de Vasconcelos participaram no povoamento do Brasil. São eles Filipe de Moura Accioli que casou em Pernambuco, com sua prima, D. Margarida Accioli, de quem teve João Baptista Accioli que foi alcaide-mor de Olinda como seu pai; e os filhos de João Baptista Accioli e de D. Maria de Melo, a saber, João Baptista Accioli, Francisco Accioli de Vasconcelos, Miguel Accioli de Vasconcelos e Gaspar Accioli de Vasconcelos que viveram em Pernambuco, onde casaram. Este último casou, “obrigado do crescido dote” [96][96], com uma filha bastarda de João Fernandes Vieira, o Restaurador de Pernambuco e Governador de Angola. Resta salientar que um irmão destes, Zenóbio Accioli de Vasconcelos nascido em Pernambuco, em Março de 1655 foi, a pedido de sua tia, D. Isabel de Vasconcelos, casada com o francês Filipe Gentil de Limoges, criado por esta na Ilha da Madeira, tendo sido assim o herdeiro do morgadio que seus tios instituíram em 23 de Outubro de 1674. Aí faleceu [97][97].
A família Accioli vai continuar a procurar Terras de Vera Cruz, nos séculos seguintes. Efectivamente, um filho e um bisneto do capitão Luís Augusto Accioli e de D. Angelina de Oliveira, casaram no Brasil, no século XIX. São eles, respectivamente, Aloísio Accioli e Luís Accioli. Do casamento do primeiro nasceram dois filhos [98][98].
Os Accioli tinham laços de parentesco com os Cavalcantes, através da avó de Filipe Cavalcante, Francisca Accioli, irmã de Simão Accioli, da Ilha da Madeira [99][99]. Também esta família se fixou na Madeira, passando depois ao Brasil. Efectivamente, e em consequência das séria lutas internas em que Florença se viu envolvida, no século XV, Filipe Cavalcante emigrou para a Pérola do Atlântico, de onde partirá posteriormente para o Brasil. Esta família dominou politicamente na região de Pernambuco, no séc. XIX, chegando a afirmar-se no Parlamento que Pernambucano que “não era Cavalcanti, era cavalgado” [100][100].
De referenciar que, também em Pernambuco, esta casa se vai ligar a famílias madeirenses. Assim, D. Margarida Albuquerque, filha de António Cavalcante de Albuquerque e de D. Ângela de Albuquerque, casou com Manuel Homem de Figueiroa, “que ainda vivia pelos annos de 1760” [101][101], o qual era neto por via materna de João de Souto Maior e de Ana Roqua, ambos naturais da Ilha da Madeira. Uma prima do citado António Cavalcante de Albuquerque, D. Mariana Cavalcante, casou em primeiras núpcias com Gaspar Accioli de Vasconcelos, filho de Gaspar Accioli de Vasconcelos, natural da Ilha da Madeira e de sua esposa D. Ana Cavalcante. Não tiveram filhos. Casou segunda vez com Manuel Dias de Andrade, Cavaleiro da Ordem de Cristo, filho do Coronel Francisco Berenguer de Andrade, natural da Ilha da Madeira, e de sua 2ª esposa, D. Antónia Bezerra [102][102].
Quanto ao elemento Drummond que se tinha refugiado na Ilha da Madeira devido às perseguições religiosas levadas a cabo no seu país [103][103], misturou-se, em Pernambuco, com Monterax, Sinclair e Escóssia [104][104]. Temos conhecimento de um elemento desta família que vivia, nos alvores do século XVII, na Ilha de São Pedro, no Brasil. Era ele Martim Mendes de Vasconcelos, do qual o rei Jacobo de Inglaterra justifica a Filipe de Portugal a sua fidalguia, em 12 de Agosto de 1613. Esta justificação confirma-nos a existência de mais elementos desta família na Ilha da Madeira e no Brasil [105][105]. Henrique de Aragão, elemento desta família na Madeira, foi também viver para o Brasil. Era bisneto de Luís de Freitas de Aragão e de Joana Fernandes que casaram em 1738 [106][106].
Por intermédio da Ilha da Madeira vieram, também, de Génova para Pernambuco, os Espinolas descendentes de Chirio e Rafael Catanho. Este último foi casado com Maria Cabral e foi o genitor de Violante Cabral, casada com Chirio Spinola, também genovês. Leone Spinola, filho do casal, desposou Joana Gomes. Um de seus descendentes, Manuel Catanho, constituiu família em Pernambuco [107][107].
Finalmente, o autor de Os Primitivos Colonizadores Nordestinos, observa que também várias famílias oriundas de Castela, vieram para o Brasil, através da Ilha da Madeira, como é o caso dos descendentes do Conde de Favela e de João Rodrigues Mondragão [108][108].
Madeirenses em Terras de Vera Cruz, no século XVI, eram ainda João Brás, sapateiro, do qual temos conhecimento através do testamento de Rui Mendes de Vasconcelos, de 16 de Abril de 1569, que afirma lhe dever 1100 réis, os quais devem ser pagos aos seus herdeiros. Vasco Gonçalves “ que fugio para o brazil” e que devia 5000 réis a Joane Enes, como temos conhecimento através do credor que se identifica no seu testamento, de 19 de Setembro de 1590, como homem trabalhador boeiro. Também o fidalgo Bartolomeu Ribeiro viveu muito tempo na capitania de Porto Seguro com sua esposa Isabel de Andrade. Em 24 de Abril de 1593 e segundo o testamento de seu sobrinho, o fidalgo Rafael de Miranda, eram já falecidos tendo, no entanto, um filho Jerónimo de Andrade, casado na cidade do Rio de Janeiro, que a ser vivo deteria um quinto da fazenda de Boa Ventura. Finalmente e através do testamento, de 16 de Maio de 1598, da mãe de Catarina Dias, temos conhecimento que esta faleceu em Pernambuco, e “que era casada com Jeronimo Coelho que hesta no dito brasil” [109][109].
O Brasil surge, assim, como mais uma grande “Ilha” do arquipélago, para os madeirenses.
Obviamente que seria estultícia pretender, no decurso de algumas páginas apenas, apontar o nome de todos aqueles que formaram o intenso fluxo migratório madeirense em direcção ao “paraíso da América”. No entanto, estamos convictos de ter comprovado a forte presença madeirense no Brasil, a partir das primeiras décadas do século XVI. É nosso objectivo agora surpreender as áreas em que o madeirense fez incidir o essencial dos seus esforços na construção da Nova Lusitânia.
2. A acção dos madeirenses na economia do açúcar brasileiro
Pioneiros da conquista dos trópicos para a civilização, tiveram os portugueses, nessa façanha, a sua maior missão histórica. Nenhum outro povo do Velho Mundo estava tão bem apetrechado como os portugueses para explorar, regular e intensamente, as terras próximas à linha equinocial.
Possuidor de experiência na produção de açúcar, de contactos comerciais que permitiam a colocação do produto no mercado europeu e financeiros que lhe abria as portas do crédito para os investimentos básicos, Portugal lança-se na ocupação económica do Brasil, através do açúcar de cana, já largamente testado na Ilha da Madeira. A Madeira surge-nos assim como o tubo de ensaio desta cultura que será disseminada em toda a zona inter-tropical do Atlântico. Esta deslocação do complexo de plantações da Ilha da Madeira para o Brasil, traduziu-se, segundo P. D. Curtin, numa revolução do açúcar [110][110].
Considerado medicinal, especiaria-condimento, material decorativo, adoçante e preservante [111][111] , fazendo parte do dote das princesas e do testamento dos reis europeus, a tendencial democratização do uso do açúcar acrescido do aumento populacional europeu tiveram como consequência a ascenção simultânea do seu preço e da sua produção, garantindo a expansão açucareira e a colonização do Brasil.
A difusão do uso do café, do chá e do chocolate contribuiu também para o aumento do ritmo de consumo deste produto ao longo do século XVIII. Por tudo isto, o açúcar foi, durante alguns séculos, o produto de maior valor e importância no comércio internacional.
Fácil é assim justificar amplamente a escolha deste produto como solução para a efectiva ocupação do Brasil, assim como fácil é notar o papel relevante assumido pelo madeirense nesta empresa açucareira. Efectivamente, a documentação atentamente compulsada por nós comprova-nos esta realidade.
Como já se disse, a cana-de açúcar introduzida no Brasil era proveniente da Ilha da Madeira. Para o caso, torna-se irrelevante se surgiu primeiro em Pernambuco, como pretende Francisco Adolfo Varnaghen [112][112] ou se em S. Vicente, como refere Saint-Hilaire [113][113] e Gabriel Soares de Sousa [114][114]. Efectivamente, já Aureliano Leite nos revela que “de 1533 a 1534, espalha-se na Capitania a cana-de-açúcar, trazida da Ilha da Madeira por Martim Afonso, montando-se em seguida, o 1 º engenho da região, o qual se chamava “do senhor Governador”, depois “dos Armadores”, finalmente, de “São Jorge dos Erasmos” [115][115].
Recorde-se que, com a cana-de-açúcar, vieram técnicos açucareiros madeirenses. A eles faz referência Francisco Adolfo de Varnhagen, ao observar que muitos dos principais operários do açúcar vieram da Ilha da Madeira e de S. Tomé [116][116]. Igualmente Stuart B. Schwartz nos refere que os primeiros técnicos e especialistas do açúcar que participaram na indústria açucareira do Nordeste brasileiro, eram oriundos da Madeira e de S. Tomé, sendo alguns escravos que tinham trabalhado em engenhos, nos dois referidos espaços geográficos [117][117]. Aliás, em 1550, alguns moradores de S. Tomé, ao saberem que se cultivava açúcar no Brasil emigraram para este espaço geográfico. Ora, como sabemos, muitos dos povoadores de S. Tomé eram originários da Madeira, o que torna muito provável que muitos destes tenham posteriormente emigrado para o Brasil, devido à insalubridade, às rebeliões de escravos e saques de piratas que destruíram os engenhos em S. Tomé [118][118].
Facto incontestado e sobejamente comprovado pelos documentos coevos é a presença, no século XVI, em Pernambuco, do mestre de açúcar madeirense Manuel Luís [119][119] e, em S. Vicente, de Antão Leme e seu filho Pedro Leme. Estes dois últimos, respectivamente filho e neto do célebre navegador António de Leme, descendentes de uma família muito conhecida nos Países Baixos pela sua nobreza, emigraram da Ilha da Madeira para S. Vicente, como técnicos açucareiros, acompanhados de familiares e vários criados do seu serviço. Neste último espaço geográfico “foram vítimas dos saques e incêndios feitos pelos ingleses por fins do século XVI” [120][120]. Antão Leme, fidalgo da Ilha da Madeira, parente do donatário desta Ilha, foi juíz ordinário de S. Vicente, em 1544. A ele se refere frei Gaspar da Madre de Deus, como um dos homens que veio com a primitiva cana-de-açúcar, assim como a seu filho Pedro Leme, natural do Funchal, e ao genro deste Braz Esteves [121][121]. Ao analisarmos a árvore genealógica desta família, podemos comprovar que os seus elementos vieram a desempenhar um papel preponderante na primeira fase do Brasil colonial e foram tronco de algumas das mais ilustres famílias paulistas.
O autor da Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica referencia também esta família e afirma que Pedro Leme embarcou na Ilha da Madeira e, pelos anos de 1550, já estava em São Vicente com sua mulher Luzia Fernandes, e a filha Leonor Leme, mulher de Braz Esteves, “e veio a fazer assento na vila, capital de São Vicente; onde desembarcou (...) e ali foi estimado, e reconhecido com o carater de fidalgo. Foi pessoa da maior autoridade na dita vila; e com a mesma se conservaram seus netos. Ali justificou Pedro Leme a sua filiação e fidalguia, em 2 de Outubro de 1564, perante o desembargador Braz Fragoso, provedor-mor da fazenda e ouvidor geral de toda a costa do Brasil” [122][122].
Diz Pedro Taques que ele quer justificar, “que é filho de legitimo matrimonio de Antão Leme, natural da cidade do Funchal, na ilha da Madeira, o qual Antão Leme é irmão direito de Aleixo Leme, e de Pedro Leme, os quais todos são fidalgos nos livros de el-rei, e por tais são tidos e havidos, e conhecidos de todas as pessoas que razão tem de o ser; e outro sim são irmãos de Antonia Leme, mulher de Pedro Affonso de Aguiar e de D. Leonor Leme, mulher de André de Aguiar, os quais outro sim são fidalgos, primos do capitão donatario da Ilha da Madeira” [123][123].
Pedro Leme, foi o primeiro povoador da Fazenda de Santana [124][124] . Em 1575, participou nas lutas contra os tamóios aldeados em Cabo Frio (Rio de Janeiro), em 1585, foi juiz ordinário em Santos e, no mesmo ano, participou, com o capitão-mor Jerónimo Leitão, numa entrada aos Carijós [125][125].
Pedro Taques afirma ainda que Leonor Leme veio em companhia de seus pais da Ilha da Madeira, e já era casada em 1550 com Braz Esteves, morador da vila de São Vicente. E conforme acentua este autor “na mesma vila viveram muitos anos, abastados com lucros do engenho de assucar, chamado de São Jorge dos Erasmos” [126][126].
Silva Leme, outro genealogista, acrescenta que Braz Esteves e o sogro, Pedro Leme, eram proprietários do citado engenho. No entanto, David Ferreira de Gouveia não concorda, alvitando que seriam talvez técnicos associados industrialmente. Ainda segundo este historiador, há uma ligação profunda com os administradores do engenho de S. Jorge dos Erasmos, com negócios de açúcar e provavelmente no fim da vida exportavam, vendiam ou faziam contrabando de açúcar para o Prata ou Perú [127][127]. Braz Esteves “depois se passou com seus filhos para a vila de São Paulo, onde fez o seu estabelecimento, e foi uma das primeiras pessoas da governança desta republica” [128][128]. Do seu matrimónio com Leonor Leme nasceram cinco filhos, na vila de São Vicente. Um deles, Pedro Leme, ocupou todos os cargos da república, tendo uma sua trineta, D. Maria Leme do Prado, contraído núpcias com o madeirense Tomé Rodrigues Nogueira do Ó que faleceu em Baependí [129][129] .
De Braz Esteves e de D. Leonor Leme procedem “os Lemes da casa de Santana; os da casa do Alcaide-mor da Cidade da Bahía e Guarda-mor Geral das Minas; os da casa dos Provedores Proprietários que foram da Fazenda Real da Capitania de S. Paulo; os Lemes, Toledos Laras Rendons, Góis Morais, da Cidade de São Paulo; os Lemes, Pedrosos Barros, Pires, Prados, Pais, Falcões, Bicudos, e outros não só da mesma Capitania, mas também das Minas Gerais, Goiás e Cuiabá” [130][130].
Na capitania de S. Vicente surgem ainda os engenhos dos Adornos e o dos Góis. Desconhecemos a naturalidade dos seus proprietários, mas estamos convictos de que tinham ligações com a Madeira ou eram mesmo madeirenses. Efectivamente, Francisco Pattinatti informa que se “fez então referência ao nome de Giuseppe Adorno que devia acompanhar a Armada na qualidade de agente comercial (dos Marchiones e Bardis) das duas firmas associadas ... Aceitando o convite apressou-se a chamar seus dois irmãos Francesco e Paolo, ambos estabelecidos na Madeira, o primeiro como plantador e o segundo como chefe de mestres de machado piacentinos, catalães e genoveses, construtores de navios para a navegação litorânea“ [131][131].
Martins dos Santos observa que “ o que sabemos de fonte segura é que eles (os Adornos) residiram na Madeira e foram grandes técnicos na fabricação do açúcar” [132][132]. Thales de Azevedo, ao referir-se a Paulo Adorno afirma: “Paulo Dias Adorno, tido por fidalgo genovês vindo como técnico açucareiro da Ilha da Madeira para S. Vicente e por certos autores tido como filho de italiano e mãi portuguesa. (...)” [133][133]. Enzo da Silveira parece não ter dúvidas quanto à naturalidade de José Adorno, como se depreende do seguinte artigo, publicado em 1978: “José Adorno, o madeirense que foi um dos maiores vultos da colonização no Brasil” [134][134].
Também Luís e Pedro Góis, que acompanharam Martim Afonso[135][135], possuíam engenho em S. Vicente, nos inícios da sua colonização. Ao primeiro se deve, em 1550, a introdução do tabaco na Europa e a Pedro de Góis [136][136] a construção do engenho Madre de Deus, a introdução da manufactura do açúcar no Brasil, na capitania da Paraíba do Sul , S. Tomé [137][137] ou Campos de Guaitacases [138][138] e a fundação, conjuntamente com seu irmão, da Vila da Rainha [139][139]. No entanto, depois de cinco ou seis anos em guerra com os Goitacases [140][140] “foi forçado a despejar a terra e passar-se com toda a gente pera a capitania do Espiríto Santo, em embarcações que pera isso lhe mandou Vasco Fernandes Coutinho, donde ficou com toda a sua fazenda gastada, e muitos mil cruzados de um Martim Ferreira, que com ele armara pera fazerem muitos engenhos de açúcar” [141][141]. Posteriormente, surge-nos como capitão mor da armada do Brasil.
Não existem certezas quanto à naturalidade de Luís e de Pedro de Góis. Assim, Carlos Xavier Paes Barreto afirma que Pedro de Góis era irmão do ilustre Damião de Góis [142][142], assim como Francisco Adolfo de Varnhagen que, no entanto, refere que o facto tem sido contestado [143][143], constatando ainda que existiam muitos Góis, nos primeiros tempos, sendo difícil de estabelecer as relações entre eles [144][144].
Carlos Malheiros Dias refuta a hipótese de Pedro de Góis ser irmão do cronista Damião de Góis e salienta que houve duas pessoas com o mesmo nome: Pedro de Góis, donatário da Paraíba do Sul e o seu homónimo, por nós já mencionado, como Provedor da Fazenda na capitania de Francisco Pereira Coutinho [145][145].
Pedro Calmon questiona-se se Pero de Góis não seria um degredado, oriundo dos Açores. Segundo este historiador, parece referir-se a ele uma nota de Frei Luís de Sousa que diz o seguinte: “Em 2 de Abril (de 1527) carta a Manuel Côrte de tôda a fazenda que foi de Pero de Góis da Ilha Terceira, que perdeu por matar uma mulher mal e como não devia” [146][146]. Este cronista, nas pessoas embarcadas, em 1530, cita “Pero de Grãas filho de Gil de Góis”. Interessante que também o nosso Pedro de Góis tem um filho com o mesmo nome: Gil de Góis da Silveira [147][147].
Finalmente, Frei Gaspar da Madre de Deus que, num texto susceptível de mais do que uma interpretação, nos afirma que “de algum destes ( Pedro de Góis, Luís de Góis, Cipião de Góis [148][148], e Gabriel de Góis [149][149] ) procedem os Góis mais antigos da Capitania de S. Vicente, digo mais antigos, por haver outros também antigos e muito nobres, cujo tronco veio da Ilha da Madeira, com mulher e filhos, nos primeiros anos. No fim do século passado, morava na Buturoca, junto à fazenda de Santana uma família, cujos filhos costumavam chamar-se Pedro, Luís, Gil, Gabriel e Cecília de Góis, por descenderem de um dos fidalgos desta geração, que aqui assistiram; julgo que procediam de Gabriel de Góis. A pobreza os fês desconhecidos, depois de riscar das suas memórias a lembrança do nome do seu progenitor” [150][150]. Deste pequeno excerto e de uma das interpretações possíveis, inferimos que estes Luís e Pedro de Góis são oriundos da Ilha da Madeira, considerando assim extremamente plausível a hipótese, colocada por David Ferreira de Gouveia, de serem parentes da família do madeirense Domingos de Góis, a quem já nos referimos. Note-se que Domingos de Góis veio para o Brasil acompanhado de sua esposa, Catarina de Mendonça, e seus filhos: Isabel de Góis e Francisco de Mendonça [151][151]. Uma outra interpretação do excerto citado remeter-nos-ia para a existência de uma outra casa nobre madeirense que teria dado origem, nos inícios do povoamento de S. Vicente, a uma estirpe Góis paulista.
Constata-se, assim, e apesar das limitações resultantes da avareza dos documentos, a forte presença de madeirenses exercendo actividades ligadas à manufactura açucareira brasileira, no fim do século XVI e inícios do século XVII. Aliás, em 1600, e embora a deficiência documental não nos permita identificar a naturalidade da maioria dos colonos, existiriam no Brasil, vindos da Ilha da Madeira, 10 ou 11 donos de engenho, 1 construtor de engenho, 3 mestres de açúcar, 2 purgadores, 6 lavradores, especificando-se que 3 eram de cana, 3 técnicos de açúcar e 2 sesmeiros, pretendendo fazer açúcar [152][152].
Importa salientar ainda que alguns senhores de engenho chegaram mesmo a possuir dois e mais engenhos. É o caso do bisneto de Diogo Moniz, Francisco de Araújo, filho de D. Francisca e de Gaspar de Araujo, que foi “senhor de muitos engenhos na Bahia” [153][153] e de Gonçalo Novo de Lira, que levantou o engenho de Nossa Senhora da Piedade de Araripe, nas terras do partido do engenho do Espírito Santo e Santa Luzia que lhe coube em legítima. Seu irmão, Francisco Correia de Lira e depois o filho deste, Gonçalo Novo de Brito, sucederam no senhorio do referido engenho [154][154].
Outro exemplo a referir é o de António Cavalcante de Albuquerque, a quem chamavam o do Taipu, por ser senhor deste engenho e de outros na Capitania da Paraíba, onde “logrou muito respeito” [155][155]. Embora natural de Olinda, António Cavalcante de Albuquerque estava ligado à Ilha da Madeira através de laços familiares. Como observámos no capítulo anterior, sua filha, D. Margarida Albuquerque, casou com um neto de madeirenses e sua prima D. Mariana Cavalcante foi casada em primeiras e segundas núpcias com filhos de naturais da Pérola do Atlântico [156][156].
Muitos outros exemplos poderiam ser apontados. Assinalaremos apenas, para além de João Fernandes Vieira, possuidor de cinco engenhos [157][157] e do qual voltaremos a falar, mais os nomes de Mem de Sá [158][158], João Carneiro de Mariz e seu filho Francisco Carneiro Mariz [159][159].
Um outro aspecto a ser acentuado é o de que muitos senhores de engenho exerciam paralelamente o comércio e/ou a actividade militar. É o caso do marido de D. Antónia da Cunha, Jacinto de Freitas da Silva, da família dos Freitas da Madalena, moço fidalgo da Casa Real, que era senhor do engenho da Casa Forte e tenente coronel de Auxiliares dos Volantes [160][160].
Também António de Sá de Albuquerque, que viveu sempre no engenho de Megáo, foi coronel do Regimento da Cavalaria da Capitania de Itamaracá. Era filho de José de Sá de Albuquerque e de D. Maria da Fonseca Cristiana. Segundo o seu testamento, datado de 12 de Janeiro de 1734, foi casado com D. Joana de Ornelas, filha de Baltasar de Ornelas Valdevez, natural da Ilha da Madeira, e de sua segunda esposa D. Maria de Castro [161][161].
Quanto ao Nordeste brasileiro, também aí cedo chegou a cana-do-açúcar e com ela o habitante da ilha da Madeira. Em 27 de Abril de 1542, o donatário Duarte Coelho informa El-Rei, nos seguintes termos: “Tenho grandes somas de canas plantadas e cedo acabaremos um engenho mui grande e perfeito e se começarão a levantar outros” [162][162]. Ainda na primeira metade do século XVI, Duarte Coelho regressa ao reino para contratar operários especializados. E, a acreditar em David Ferreira de Gouveia, voltou ao Brasil com peritos madeirenses, levando consigo maquinaria para fabricar açúcar. Este mesmo historiador questiona se não estaria Gonçalo Novo, entre estes madeirenses. Aliás, Carlos Xavier Barreto cita Gonçalo Novo de Lira entre os companheiros de Duarte Coelho [163][163].
A presença de elementos da Madeira e de outras ilhas do Atlântico é também assinalada numa carta de Pero Borges a D. João III, datada de 7 de Fevereiro de 1550, que afirma que “ nesta capitania de Porto Seguro querelou o meirinho da coreição dalguns homens que tinhão e tem suas molheres no reyno e nas ilhas haa annos, he estão abaregados publicamente com gentias da terra christãas e outros com suas proprias escravas tambem gentias de que tem filhos ” [164][164].
De recordar que, por provisão régia de 20 de Julho de 1551, os lavradores vindos das Ilhas que nesse ano e no ano seguinte fossem para as capitanias da Baía ou do Espírito Santo de Vasco Fernandes Coutinho, estavam isentos dos dízimos por três anos e era-lhes concedida a viagem grátis. Se fossem carpinteiros, calafates, tanoeiros, ferreiros, serralheiros, besteiros, pedreiros, cavouqueiros, serradores ou oleiros, a isenção seria por cinco anos, embora tivessem de pagar a redízima e os demais direitos. Caberá a Tomé de Sousa dar cumprimento a esta provisão régia [165][165]. Interessante verificar que esta legislação foi prorrogada por mais três anos, através do alvará, de 23 de Julho de 1554, de isenção dos tributos sobre açúcar [166][166].
Também Pedro Calmon observa que pessoas das Ilhas foram atraídas a Pernambuco por Duarte Coelho e outras, de Machico, “passaram à Bahía, nos governos de Tomé de Sousa e Mem de Sá” [167][167].
Na Baía, em Pirajá, o madeirense [168][168] João de Velosa obtém uma sesmaria que lhe é concedida por Francisco Pereira Coutinho, onde começou a edificar um engenho, o de S. Bartolomeu. No entanto, em 1555, apenas se encontrava aí “uma casa de taipa descoberta e roças de alguns mantimentos” e João de Velosa encontrava-se na Ilha da Madeira. Face a esta situação, mandou o rei ao governador D. Duarte da Costa que se fizesse na Baía um engenho por conta da fazenda, como consta do alvará de 5 de Outubro de 1555. Diz o citado alvará: “Hei por bem, que á custa de Minha Fazenda, se faça nessa Capitania um Engenho de Assucares; e por me ser dito, que o lugar mais conveniente, e que melhor disposição tem para se o dito Engenho fazer, é uma levada, e terra, que Francisco Pereira Coutinho, sendo capitão dessa Capitania deu a João de Velosa na qual se começou já a fazer obra para um Engenho, e depois se deixou damnificar, e perder (...) Vos Mando, que vós com o Provedor-mor de Minha Fazenda dessas Partes vades ao dito lugar, e tomeis, para mim para se fazer o dito engenho e a dita levada, e terra que se diz, que era dada ao dito João de Velosa, e quaesquer outras terras, que vos parecerem necessarias, e pertencentes para o dito Engenho (...). E para fazer a obra delle vae nesta Nau Gonçalo Rodrigues Mestre de Engenhos com as cousas para isso necessarias (...) “ [169][169].
Examinando cuidadosamente este alvará, facilmente se depreende que o engenho que o rei queria construir no Brasil era um transplante do engenho do príncipe criado na Ilha da Madeira para moer as canas dos lavradores. Este engenho e o sistema de levada, para a movimentação do engenho hidráulico, foram introduzidos no Brasil, desde o início da produção açucareira que se revelou “ser a mais brasileira, e brasileirante, das atividades econômicas da América Portuguêsa” [170][170]. E o mestre de engenho Gonçalo Rodrigues será ele madeirense? É possível. Aliás, já David Ferreira de Gouveia coloca a mesma questão concluindo que é verosímil esta hipótese.
Madeirenses eram os quatrocentos casais que foram para o Maranhão, em 1576, levando engenhos de açúcar consigo. A eles se referiu o literato e diplomata brasileiro Dr. Reis Perdigão [171][171]. Note-se que, dois séculos depois, se observa, uma vez mais, a presença de madeirenses que afluíram ao Grão-Pará e Maranhão [172][172].
De referenciar, também, que muitos madeirenses não residentes no Brasil, pediram sesmarias para depois aí se instalarem. Em consequência, registamos a associação, já em 1537, de Mem de Sá, desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação (1544), futuro proprietário de grandes engenhos e futuro Governador Geral do Brasil, com Francisco de Bethencourt e Sá, proprietário das saboarias da Ilha da Madeira, obtendo uma sesmaria no Brasil, no rio das Contas e Camamú, capitania de Ilhéus, “para nas ditas doze léguas fazerem engenhos e as aproveytarem e povoarem e assenhorearem (...)” [173][173]. Francisco de Bethencourt e Sá desligar-se-á da sociedade, cedendo a sua parte a Mem de Sá. Este, em 1563, cedeu o seu engenho aos jesuítas e, já Governador Geral do Brasil, recebeu uma petição de um habitante de Machico que dizia assim: “Egas Moniz Barreto, morador na Ilha da Madeira, na Vila de Machico pede a Vossa Senhoria. uma légua e meia de terras de sesmaria, no rio Paraguassú ... porque pelo tempo adiante espera fazer engenho de açúcar, porque tem mulher e cinco filhos ... e espera vir (com) minha mulher e filhos e assentar na terra e fazer fazenda (...)” [174][174]. Esta sesmaria é-lhe concedida, em 1563, por Mem de Sá, solícito em promover o desenvolvimento da Baía e ser-lhe-á confirmada por carta régia, de 10 de Novembro de 1565 [175][175]. Ao chegar ao Brasil, Egas Moniz começa a lavrar canas que moia no engenho de Matoim, de Baltazar Ribeiro e só posteriormente se tornará dono de engenhos [176][176].
Foram também senhores de engenho em Pernambuco os tios de Zenóbio Accioli que possuiam os engenhos S. João Baptista, Meno e S. Paulo de Siberó. O engenho da Ribeira era de sua prima. Sua meia-irmã era senhora do engenho de S. João. Sua família materna dona do engenho do Trapiche, no Cabo [177][177], pois que o sogro de Pedro da Cunha de Andrade, Manuel Gomes de Melo, era senhor do dito engenho. Também o sogro de João Fernandes Vieira, Francisco Berenguer de Andrade, possuía o engenho do Giquiá, da freguesia da Várzea, que vendeu a António Fernandes Pessoa, o Mingão, em data anterior à tomada de Pernambuco pelos holandeses [178][178].
Note-se, entretanto, que a cana-de-açúcar e os processos madeirenses para obter açúcar vão acompanhar os conquistadores olindenses sempre que estes encontram condições de clima e solo que permitam a sua cultura. Daí surgiram os vales açucareiros da Paraíba, onde João de Souto, natural da Ilha da Madeira, era senhor do engenho das Taboucas [179][179].
E o número de engenhos continuava a crescer. Note-se que já em 1576, Gandavo afirmava: “a cana de açúcar e os algodões, são as principais fazendas que há nestas partes do Brasil, de que todos se ajudam e fazem muito proveito nas capitanias, e especialmente na de Pernambuco, em que estão feitos perto de trinta engenhos”. Nesse ano, o preço de açúcar mascavado atingiu 320 réis por arroba e o branco 460 réis o que, e como observou o citado cronista, era compensador, em face do pouco dispendio exigido pela sua cultura. Também, e como observou F. A. Pereira da Costa, as imposições que pesavam sobre este produto não o afectavam, como prova a sua grande afluência a Lisboa, que se constituiu no empório do açúcar na Europa [180][180].
Em 31 de Dezembro de 1585, José de Anchieta escrevia a “Informação da Província do Brasil”, dirigida ao superior da ordem dos Jesuítas, onde se pode ler: “Pernambuco terra rica, de muitos mercadores, trata com açúcar e pau vermelho (...), no comércio é uma nova Luzitânea, e mui frequentada. Tem 66 engenhos de açúcar, e cada um uma grande povoação“ [181][181].
Saliente-se, no entanto, que muitos donatários se arruinaram ou estiveram muito perto disso. É o caso de Vasco Fróis Coutinho que, após tribulações e vexames, faleceu tão pobremente que vivia de esmolas. Também Miguel de Moura e Mem de Sá doaram as suas sesmarias, em 1571 e 1563, respectivamente, porque não lograram ter o sucesso que esperavam [182][182].
Não pensemos, contudo, que as dificuldades encontradas no Brasil fizeram esmorecer o ímpeto madeirense. Bem pelo contrário. Aliás, nos finais da centúria de quinhentos, a Madeira perdeu o seu papel de laboratório e centro de expansão da indústria sacarina, transferindo-os para o Brasil e transformou-se em entreposto de açúcar brasileiro, para ser vendido como açúcar madeirense, porque este último tinha fama de ser de melhor qualidade e, por isso, tinha melhor preço.
Acrescente-se, entretanto, em abono da verdade, que a crise da economia açucareira madeirense não surgiu apenas como resultado da concorrência do açúcar do Brasil. Para esta situação contribuíram factores de ordem interna, a saber: o cansaço da terra, a carência de adubagem e as alterações climáticas verificadas [183][183].
Dá-se assim um fenómeno verdadeiramente extraordinário: as ilhas portuguesas, que chegaram a produzir mais de 500.000 arrobas, perderam, a favor do Brasil, essa predominância, já em finais do século XVI. A Madeira é assim destronada pelo Brasil. Aliás e embora o Brasil fosse muito extenso, já no início do século XVII, o acesso à produção de cana era apenas possível através de compra ou arrendamento, pois que as áreas férteis do litoral nordestino haviam sido doadas [184][184]. Contribuiu para este florescimento dos engenhos de açúcar no Brasil, o engenho de três eixos [185][185], invenção inegavelmente ligada aos madeirenses aí residentes [186][186].
Interessante verificar que, ao referir-se a Francisco Fernandes da Ilha [187][187], que deveria estar no Brasil aquando do falecimento de seu pai, em 1630, onde se dedicaria à produção açucareira, Fernando de Meneses Vaz vaticina que o açúcar brasileiro “ derrubará o da Madeira. A Ilha Madre, a ilha geradora, era sacrificada ao progresso da expansão” [188][188].
No século XVII, a situação irá manter-se. Vejamos o que nos diz a este respeito o médico e naturalista inglês Hans Sloane que visitou a Madeira em Outubro de 1687: “esta ilha é muito fértil, tendo antigamente produzido grandes quantidades de açúcar aqui cultivado e de excelente qualidade. O que agora possuem é bom, mas muito escasso, devido à existência de muitas plantações açucareiras nas Índias Ocidentais. Assim, não lhes vale a pena cultivá-lo embora, depois de refinado ou depurado, seja muito branco, cotando-se meia libra dele com o valor de uma libra de outras espécies de açúcar. Assim, embora consigam um produto de maior cotação, acham que lhes é muito mais proveitoso dedicarem-se aos vinhos, pelo que apenas produzem o açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil, às suas próprias plantações” [189][189]. Temos aqui, uma vez mais, uma clara alusão às plantações e engenhos madeirenses no Brasil.
Sobre Olinda, antes da entrada dos holandeses, dizia um historiador que “o ouro e a prata era sem número, e quase não se estimava; o açúcar tanto, que não havia embarcações para o carregar, e não se podia dar vazão ao muito que havia, e daí os mimos e regalos que os pilotos faziam aos senhores de engenho e lavradores para lhes darem as suas cargas”. E acrescentava: “As festas e banquetes eram frequentes, para cujas mesas se importavam regularmente de Portugal e das suas possessões os mais delicados produtos. Só em vinhos consumiam-se anualmente muitos milhões de cruzados” [190][190].
Face a esta conjuntura, não é de estranhar que, a uma primeira leva de madeirenses como povoadores do Brasil, se sucedessem outras com objectivos comerciais.
Pioneiros da conquista dos trópicos para a civilização, tiveram os portugueses, nessa façanha, a sua maior missão histórica. Nenhum outro povo do Velho Mundo estava tão bem apetrechado como os portugueses para explorar, regular e intensamente, as terras próximas à linha equinocial.
Possuidor de experiência na produção de açúcar, de contactos comerciais que permitiam a colocação do produto no mercado europeu e financeiros que lhe abria as portas do crédito para os investimentos básicos, Portugal lança-se na ocupação económica do Brasil, através do açúcar de cana, já largamente testado na Ilha da Madeira. A Madeira surge-nos assim como o tubo de ensaio desta cultura que será disseminada em toda a zona inter-tropical do Atlântico. Esta deslocação do complexo de plantações da Ilha da Madeira para o Brasil, traduziu-se, segundo P. D. Curtin, numa revolução do açúcar [110][110].
Considerado medicinal, especiaria-condimento, material decorativo, adoçante e preservante [111][111] , fazendo parte do dote das princesas e do testamento dos reis europeus, a tendencial democratização do uso do açúcar acrescido do aumento populacional europeu tiveram como consequência a ascenção simultânea do seu preço e da sua produção, garantindo a expansão açucareira e a colonização do Brasil.
A difusão do uso do café, do chá e do chocolate contribuiu também para o aumento do ritmo de consumo deste produto ao longo do século XVIII. Por tudo isto, o açúcar foi, durante alguns séculos, o produto de maior valor e importância no comércio internacional.
Fácil é assim justificar amplamente a escolha deste produto como solução para a efectiva ocupação do Brasil, assim como fácil é notar o papel relevante assumido pelo madeirense nesta empresa açucareira. Efectivamente, a documentação atentamente compulsada por nós comprova-nos esta realidade.
Como já se disse, a cana-de açúcar introduzida no Brasil era proveniente da Ilha da Madeira. Para o caso, torna-se irrelevante se surgiu primeiro em Pernambuco, como pretende Francisco Adolfo Varnaghen [112][112] ou se em S. Vicente, como refere Saint-Hilaire [113][113] e Gabriel Soares de Sousa [114][114]. Efectivamente, já Aureliano Leite nos revela que “de 1533 a 1534, espalha-se na Capitania a cana-de-açúcar, trazida da Ilha da Madeira por Martim Afonso, montando-se em seguida, o 1 º engenho da região, o qual se chamava “do senhor Governador”, depois “dos Armadores”, finalmente, de “São Jorge dos Erasmos” [115][115].
Recorde-se que, com a cana-de-açúcar, vieram técnicos açucareiros madeirenses. A eles faz referência Francisco Adolfo de Varnhagen, ao observar que muitos dos principais operários do açúcar vieram da Ilha da Madeira e de S. Tomé [116][116]. Igualmente Stuart B. Schwartz nos refere que os primeiros técnicos e especialistas do açúcar que participaram na indústria açucareira do Nordeste brasileiro, eram oriundos da Madeira e de S. Tomé, sendo alguns escravos que tinham trabalhado em engenhos, nos dois referidos espaços geográficos [117][117]. Aliás, em 1550, alguns moradores de S. Tomé, ao saberem que se cultivava açúcar no Brasil emigraram para este espaço geográfico. Ora, como sabemos, muitos dos povoadores de S. Tomé eram originários da Madeira, o que torna muito provável que muitos destes tenham posteriormente emigrado para o Brasil, devido à insalubridade, às rebeliões de escravos e saques de piratas que destruíram os engenhos em S. Tomé [118][118].
Facto incontestado e sobejamente comprovado pelos documentos coevos é a presença, no século XVI, em Pernambuco, do mestre de açúcar madeirense Manuel Luís [119][119] e, em S. Vicente, de Antão Leme e seu filho Pedro Leme. Estes dois últimos, respectivamente filho e neto do célebre navegador António de Leme, descendentes de uma família muito conhecida nos Países Baixos pela sua nobreza, emigraram da Ilha da Madeira para S. Vicente, como técnicos açucareiros, acompanhados de familiares e vários criados do seu serviço. Neste último espaço geográfico “foram vítimas dos saques e incêndios feitos pelos ingleses por fins do século XVI” [120][120]. Antão Leme, fidalgo da Ilha da Madeira, parente do donatário desta Ilha, foi juíz ordinário de S. Vicente, em 1544. A ele se refere frei Gaspar da Madre de Deus, como um dos homens que veio com a primitiva cana-de-açúcar, assim como a seu filho Pedro Leme, natural do Funchal, e ao genro deste Braz Esteves [121][121]. Ao analisarmos a árvore genealógica desta família, podemos comprovar que os seus elementos vieram a desempenhar um papel preponderante na primeira fase do Brasil colonial e foram tronco de algumas das mais ilustres famílias paulistas.
O autor da Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica referencia também esta família e afirma que Pedro Leme embarcou na Ilha da Madeira e, pelos anos de 1550, já estava em São Vicente com sua mulher Luzia Fernandes, e a filha Leonor Leme, mulher de Braz Esteves, “e veio a fazer assento na vila, capital de São Vicente; onde desembarcou (...) e ali foi estimado, e reconhecido com o carater de fidalgo. Foi pessoa da maior autoridade na dita vila; e com a mesma se conservaram seus netos. Ali justificou Pedro Leme a sua filiação e fidalguia, em 2 de Outubro de 1564, perante o desembargador Braz Fragoso, provedor-mor da fazenda e ouvidor geral de toda a costa do Brasil” [122][122].
Diz Pedro Taques que ele quer justificar, “que é filho de legitimo matrimonio de Antão Leme, natural da cidade do Funchal, na ilha da Madeira, o qual Antão Leme é irmão direito de Aleixo Leme, e de Pedro Leme, os quais todos são fidalgos nos livros de el-rei, e por tais são tidos e havidos, e conhecidos de todas as pessoas que razão tem de o ser; e outro sim são irmãos de Antonia Leme, mulher de Pedro Affonso de Aguiar e de D. Leonor Leme, mulher de André de Aguiar, os quais outro sim são fidalgos, primos do capitão donatario da Ilha da Madeira” [123][123].
Pedro Leme, foi o primeiro povoador da Fazenda de Santana [124][124] . Em 1575, participou nas lutas contra os tamóios aldeados em Cabo Frio (Rio de Janeiro), em 1585, foi juiz ordinário em Santos e, no mesmo ano, participou, com o capitão-mor Jerónimo Leitão, numa entrada aos Carijós [125][125].
Pedro Taques afirma ainda que Leonor Leme veio em companhia de seus pais da Ilha da Madeira, e já era casada em 1550 com Braz Esteves, morador da vila de São Vicente. E conforme acentua este autor “na mesma vila viveram muitos anos, abastados com lucros do engenho de assucar, chamado de São Jorge dos Erasmos” [126][126].
Silva Leme, outro genealogista, acrescenta que Braz Esteves e o sogro, Pedro Leme, eram proprietários do citado engenho. No entanto, David Ferreira de Gouveia não concorda, alvitando que seriam talvez técnicos associados industrialmente. Ainda segundo este historiador, há uma ligação profunda com os administradores do engenho de S. Jorge dos Erasmos, com negócios de açúcar e provavelmente no fim da vida exportavam, vendiam ou faziam contrabando de açúcar para o Prata ou Perú [127][127]. Braz Esteves “depois se passou com seus filhos para a vila de São Paulo, onde fez o seu estabelecimento, e foi uma das primeiras pessoas da governança desta republica” [128][128]. Do seu matrimónio com Leonor Leme nasceram cinco filhos, na vila de São Vicente. Um deles, Pedro Leme, ocupou todos os cargos da república, tendo uma sua trineta, D. Maria Leme do Prado, contraído núpcias com o madeirense Tomé Rodrigues Nogueira do Ó que faleceu em Baependí [129][129] .
De Braz Esteves e de D. Leonor Leme procedem “os Lemes da casa de Santana; os da casa do Alcaide-mor da Cidade da Bahía e Guarda-mor Geral das Minas; os da casa dos Provedores Proprietários que foram da Fazenda Real da Capitania de S. Paulo; os Lemes, Toledos Laras Rendons, Góis Morais, da Cidade de São Paulo; os Lemes, Pedrosos Barros, Pires, Prados, Pais, Falcões, Bicudos, e outros não só da mesma Capitania, mas também das Minas Gerais, Goiás e Cuiabá” [130][130].
Na capitania de S. Vicente surgem ainda os engenhos dos Adornos e o dos Góis. Desconhecemos a naturalidade dos seus proprietários, mas estamos convictos de que tinham ligações com a Madeira ou eram mesmo madeirenses. Efectivamente, Francisco Pattinatti informa que se “fez então referência ao nome de Giuseppe Adorno que devia acompanhar a Armada na qualidade de agente comercial (dos Marchiones e Bardis) das duas firmas associadas ... Aceitando o convite apressou-se a chamar seus dois irmãos Francesco e Paolo, ambos estabelecidos na Madeira, o primeiro como plantador e o segundo como chefe de mestres de machado piacentinos, catalães e genoveses, construtores de navios para a navegação litorânea“ [131][131].
Martins dos Santos observa que “ o que sabemos de fonte segura é que eles (os Adornos) residiram na Madeira e foram grandes técnicos na fabricação do açúcar” [132][132]. Thales de Azevedo, ao referir-se a Paulo Adorno afirma: “Paulo Dias Adorno, tido por fidalgo genovês vindo como técnico açucareiro da Ilha da Madeira para S. Vicente e por certos autores tido como filho de italiano e mãi portuguesa. (...)” [133][133]. Enzo da Silveira parece não ter dúvidas quanto à naturalidade de José Adorno, como se depreende do seguinte artigo, publicado em 1978: “José Adorno, o madeirense que foi um dos maiores vultos da colonização no Brasil” [134][134].
Também Luís e Pedro Góis, que acompanharam Martim Afonso[135][135], possuíam engenho em S. Vicente, nos inícios da sua colonização. Ao primeiro se deve, em 1550, a introdução do tabaco na Europa e a Pedro de Góis [136][136] a construção do engenho Madre de Deus, a introdução da manufactura do açúcar no Brasil, na capitania da Paraíba do Sul , S. Tomé [137][137] ou Campos de Guaitacases [138][138] e a fundação, conjuntamente com seu irmão, da Vila da Rainha [139][139]. No entanto, depois de cinco ou seis anos em guerra com os Goitacases [140][140] “foi forçado a despejar a terra e passar-se com toda a gente pera a capitania do Espiríto Santo, em embarcações que pera isso lhe mandou Vasco Fernandes Coutinho, donde ficou com toda a sua fazenda gastada, e muitos mil cruzados de um Martim Ferreira, que com ele armara pera fazerem muitos engenhos de açúcar” [141][141]. Posteriormente, surge-nos como capitão mor da armada do Brasil.
Não existem certezas quanto à naturalidade de Luís e de Pedro de Góis. Assim, Carlos Xavier Paes Barreto afirma que Pedro de Góis era irmão do ilustre Damião de Góis [142][142], assim como Francisco Adolfo de Varnhagen que, no entanto, refere que o facto tem sido contestado [143][143], constatando ainda que existiam muitos Góis, nos primeiros tempos, sendo difícil de estabelecer as relações entre eles [144][144].
Carlos Malheiros Dias refuta a hipótese de Pedro de Góis ser irmão do cronista Damião de Góis e salienta que houve duas pessoas com o mesmo nome: Pedro de Góis, donatário da Paraíba do Sul e o seu homónimo, por nós já mencionado, como Provedor da Fazenda na capitania de Francisco Pereira Coutinho [145][145].
Pedro Calmon questiona-se se Pero de Góis não seria um degredado, oriundo dos Açores. Segundo este historiador, parece referir-se a ele uma nota de Frei Luís de Sousa que diz o seguinte: “Em 2 de Abril (de 1527) carta a Manuel Côrte de tôda a fazenda que foi de Pero de Góis da Ilha Terceira, que perdeu por matar uma mulher mal e como não devia” [146][146]. Este cronista, nas pessoas embarcadas, em 1530, cita “Pero de Grãas filho de Gil de Góis”. Interessante que também o nosso Pedro de Góis tem um filho com o mesmo nome: Gil de Góis da Silveira [147][147].
Finalmente, Frei Gaspar da Madre de Deus que, num texto susceptível de mais do que uma interpretação, nos afirma que “de algum destes ( Pedro de Góis, Luís de Góis, Cipião de Góis [148][148], e Gabriel de Góis [149][149] ) procedem os Góis mais antigos da Capitania de S. Vicente, digo mais antigos, por haver outros também antigos e muito nobres, cujo tronco veio da Ilha da Madeira, com mulher e filhos, nos primeiros anos. No fim do século passado, morava na Buturoca, junto à fazenda de Santana uma família, cujos filhos costumavam chamar-se Pedro, Luís, Gil, Gabriel e Cecília de Góis, por descenderem de um dos fidalgos desta geração, que aqui assistiram; julgo que procediam de Gabriel de Góis. A pobreza os fês desconhecidos, depois de riscar das suas memórias a lembrança do nome do seu progenitor” [150][150]. Deste pequeno excerto e de uma das interpretações possíveis, inferimos que estes Luís e Pedro de Góis são oriundos da Ilha da Madeira, considerando assim extremamente plausível a hipótese, colocada por David Ferreira de Gouveia, de serem parentes da família do madeirense Domingos de Góis, a quem já nos referimos. Note-se que Domingos de Góis veio para o Brasil acompanhado de sua esposa, Catarina de Mendonça, e seus filhos: Isabel de Góis e Francisco de Mendonça [151][151]. Uma outra interpretação do excerto citado remeter-nos-ia para a existência de uma outra casa nobre madeirense que teria dado origem, nos inícios do povoamento de S. Vicente, a uma estirpe Góis paulista.
Constata-se, assim, e apesar das limitações resultantes da avareza dos documentos, a forte presença de madeirenses exercendo actividades ligadas à manufactura açucareira brasileira, no fim do século XVI e inícios do século XVII. Aliás, em 1600, e embora a deficiência documental não nos permita identificar a naturalidade da maioria dos colonos, existiriam no Brasil, vindos da Ilha da Madeira, 10 ou 11 donos de engenho, 1 construtor de engenho, 3 mestres de açúcar, 2 purgadores, 6 lavradores, especificando-se que 3 eram de cana, 3 técnicos de açúcar e 2 sesmeiros, pretendendo fazer açúcar [152][152].
Importa salientar ainda que alguns senhores de engenho chegaram mesmo a possuir dois e mais engenhos. É o caso do bisneto de Diogo Moniz, Francisco de Araújo, filho de D. Francisca e de Gaspar de Araujo, que foi “senhor de muitos engenhos na Bahia” [153][153] e de Gonçalo Novo de Lira, que levantou o engenho de Nossa Senhora da Piedade de Araripe, nas terras do partido do engenho do Espírito Santo e Santa Luzia que lhe coube em legítima. Seu irmão, Francisco Correia de Lira e depois o filho deste, Gonçalo Novo de Brito, sucederam no senhorio do referido engenho [154][154].
Outro exemplo a referir é o de António Cavalcante de Albuquerque, a quem chamavam o do Taipu, por ser senhor deste engenho e de outros na Capitania da Paraíba, onde “logrou muito respeito” [155][155]. Embora natural de Olinda, António Cavalcante de Albuquerque estava ligado à Ilha da Madeira através de laços familiares. Como observámos no capítulo anterior, sua filha, D. Margarida Albuquerque, casou com um neto de madeirenses e sua prima D. Mariana Cavalcante foi casada em primeiras e segundas núpcias com filhos de naturais da Pérola do Atlântico [156][156].
Muitos outros exemplos poderiam ser apontados. Assinalaremos apenas, para além de João Fernandes Vieira, possuidor de cinco engenhos [157][157] e do qual voltaremos a falar, mais os nomes de Mem de Sá [158][158], João Carneiro de Mariz e seu filho Francisco Carneiro Mariz [159][159].
Um outro aspecto a ser acentuado é o de que muitos senhores de engenho exerciam paralelamente o comércio e/ou a actividade militar. É o caso do marido de D. Antónia da Cunha, Jacinto de Freitas da Silva, da família dos Freitas da Madalena, moço fidalgo da Casa Real, que era senhor do engenho da Casa Forte e tenente coronel de Auxiliares dos Volantes [160][160].
Também António de Sá de Albuquerque, que viveu sempre no engenho de Megáo, foi coronel do Regimento da Cavalaria da Capitania de Itamaracá. Era filho de José de Sá de Albuquerque e de D. Maria da Fonseca Cristiana. Segundo o seu testamento, datado de 12 de Janeiro de 1734, foi casado com D. Joana de Ornelas, filha de Baltasar de Ornelas Valdevez, natural da Ilha da Madeira, e de sua segunda esposa D. Maria de Castro [161][161].
Quanto ao Nordeste brasileiro, também aí cedo chegou a cana-do-açúcar e com ela o habitante da ilha da Madeira. Em 27 de Abril de 1542, o donatário Duarte Coelho informa El-Rei, nos seguintes termos: “Tenho grandes somas de canas plantadas e cedo acabaremos um engenho mui grande e perfeito e se começarão a levantar outros” [162][162]. Ainda na primeira metade do século XVI, Duarte Coelho regressa ao reino para contratar operários especializados. E, a acreditar em David Ferreira de Gouveia, voltou ao Brasil com peritos madeirenses, levando consigo maquinaria para fabricar açúcar. Este mesmo historiador questiona se não estaria Gonçalo Novo, entre estes madeirenses. Aliás, Carlos Xavier Barreto cita Gonçalo Novo de Lira entre os companheiros de Duarte Coelho [163][163].
A presença de elementos da Madeira e de outras ilhas do Atlântico é também assinalada numa carta de Pero Borges a D. João III, datada de 7 de Fevereiro de 1550, que afirma que “ nesta capitania de Porto Seguro querelou o meirinho da coreição dalguns homens que tinhão e tem suas molheres no reyno e nas ilhas haa annos, he estão abaregados publicamente com gentias da terra christãas e outros com suas proprias escravas tambem gentias de que tem filhos ” [164][164].
De recordar que, por provisão régia de 20 de Julho de 1551, os lavradores vindos das Ilhas que nesse ano e no ano seguinte fossem para as capitanias da Baía ou do Espírito Santo de Vasco Fernandes Coutinho, estavam isentos dos dízimos por três anos e era-lhes concedida a viagem grátis. Se fossem carpinteiros, calafates, tanoeiros, ferreiros, serralheiros, besteiros, pedreiros, cavouqueiros, serradores ou oleiros, a isenção seria por cinco anos, embora tivessem de pagar a redízima e os demais direitos. Caberá a Tomé de Sousa dar cumprimento a esta provisão régia [165][165]. Interessante verificar que esta legislação foi prorrogada por mais três anos, através do alvará, de 23 de Julho de 1554, de isenção dos tributos sobre açúcar [166][166].
Também Pedro Calmon observa que pessoas das Ilhas foram atraídas a Pernambuco por Duarte Coelho e outras, de Machico, “passaram à Bahía, nos governos de Tomé de Sousa e Mem de Sá” [167][167].
Na Baía, em Pirajá, o madeirense [168][168] João de Velosa obtém uma sesmaria que lhe é concedida por Francisco Pereira Coutinho, onde começou a edificar um engenho, o de S. Bartolomeu. No entanto, em 1555, apenas se encontrava aí “uma casa de taipa descoberta e roças de alguns mantimentos” e João de Velosa encontrava-se na Ilha da Madeira. Face a esta situação, mandou o rei ao governador D. Duarte da Costa que se fizesse na Baía um engenho por conta da fazenda, como consta do alvará de 5 de Outubro de 1555. Diz o citado alvará: “Hei por bem, que á custa de Minha Fazenda, se faça nessa Capitania um Engenho de Assucares; e por me ser dito, que o lugar mais conveniente, e que melhor disposição tem para se o dito Engenho fazer, é uma levada, e terra, que Francisco Pereira Coutinho, sendo capitão dessa Capitania deu a João de Velosa na qual se começou já a fazer obra para um Engenho, e depois se deixou damnificar, e perder (...) Vos Mando, que vós com o Provedor-mor de Minha Fazenda dessas Partes vades ao dito lugar, e tomeis, para mim para se fazer o dito engenho e a dita levada, e terra que se diz, que era dada ao dito João de Velosa, e quaesquer outras terras, que vos parecerem necessarias, e pertencentes para o dito Engenho (...). E para fazer a obra delle vae nesta Nau Gonçalo Rodrigues Mestre de Engenhos com as cousas para isso necessarias (...) “ [169][169].
Examinando cuidadosamente este alvará, facilmente se depreende que o engenho que o rei queria construir no Brasil era um transplante do engenho do príncipe criado na Ilha da Madeira para moer as canas dos lavradores. Este engenho e o sistema de levada, para a movimentação do engenho hidráulico, foram introduzidos no Brasil, desde o início da produção açucareira que se revelou “ser a mais brasileira, e brasileirante, das atividades econômicas da América Portuguêsa” [170][170]. E o mestre de engenho Gonçalo Rodrigues será ele madeirense? É possível. Aliás, já David Ferreira de Gouveia coloca a mesma questão concluindo que é verosímil esta hipótese.
Madeirenses eram os quatrocentos casais que foram para o Maranhão, em 1576, levando engenhos de açúcar consigo. A eles se referiu o literato e diplomata brasileiro Dr. Reis Perdigão [171][171]. Note-se que, dois séculos depois, se observa, uma vez mais, a presença de madeirenses que afluíram ao Grão-Pará e Maranhão [172][172].
De referenciar, também, que muitos madeirenses não residentes no Brasil, pediram sesmarias para depois aí se instalarem. Em consequência, registamos a associação, já em 1537, de Mem de Sá, desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação (1544), futuro proprietário de grandes engenhos e futuro Governador Geral do Brasil, com Francisco de Bethencourt e Sá, proprietário das saboarias da Ilha da Madeira, obtendo uma sesmaria no Brasil, no rio das Contas e Camamú, capitania de Ilhéus, “para nas ditas doze léguas fazerem engenhos e as aproveytarem e povoarem e assenhorearem (...)” [173][173]. Francisco de Bethencourt e Sá desligar-se-á da sociedade, cedendo a sua parte a Mem de Sá. Este, em 1563, cedeu o seu engenho aos jesuítas e, já Governador Geral do Brasil, recebeu uma petição de um habitante de Machico que dizia assim: “Egas Moniz Barreto, morador na Ilha da Madeira, na Vila de Machico pede a Vossa Senhoria. uma légua e meia de terras de sesmaria, no rio Paraguassú ... porque pelo tempo adiante espera fazer engenho de açúcar, porque tem mulher e cinco filhos ... e espera vir (com) minha mulher e filhos e assentar na terra e fazer fazenda (...)” [174][174]. Esta sesmaria é-lhe concedida, em 1563, por Mem de Sá, solícito em promover o desenvolvimento da Baía e ser-lhe-á confirmada por carta régia, de 10 de Novembro de 1565 [175][175]. Ao chegar ao Brasil, Egas Moniz começa a lavrar canas que moia no engenho de Matoim, de Baltazar Ribeiro e só posteriormente se tornará dono de engenhos [176][176].
Foram também senhores de engenho em Pernambuco os tios de Zenóbio Accioli que possuiam os engenhos S. João Baptista, Meno e S. Paulo de Siberó. O engenho da Ribeira era de sua prima. Sua meia-irmã era senhora do engenho de S. João. Sua família materna dona do engenho do Trapiche, no Cabo [177][177], pois que o sogro de Pedro da Cunha de Andrade, Manuel Gomes de Melo, era senhor do dito engenho. Também o sogro de João Fernandes Vieira, Francisco Berenguer de Andrade, possuía o engenho do Giquiá, da freguesia da Várzea, que vendeu a António Fernandes Pessoa, o Mingão, em data anterior à tomada de Pernambuco pelos holandeses [178][178].
Note-se, entretanto, que a cana-de-açúcar e os processos madeirenses para obter açúcar vão acompanhar os conquistadores olindenses sempre que estes encontram condições de clima e solo que permitam a sua cultura. Daí surgiram os vales açucareiros da Paraíba, onde João de Souto, natural da Ilha da Madeira, era senhor do engenho das Taboucas [179][179].
E o número de engenhos continuava a crescer. Note-se que já em 1576, Gandavo afirmava: “a cana de açúcar e os algodões, são as principais fazendas que há nestas partes do Brasil, de que todos se ajudam e fazem muito proveito nas capitanias, e especialmente na de Pernambuco, em que estão feitos perto de trinta engenhos”. Nesse ano, o preço de açúcar mascavado atingiu 320 réis por arroba e o branco 460 réis o que, e como observou o citado cronista, era compensador, em face do pouco dispendio exigido pela sua cultura. Também, e como observou F. A. Pereira da Costa, as imposições que pesavam sobre este produto não o afectavam, como prova a sua grande afluência a Lisboa, que se constituiu no empório do açúcar na Europa [180][180].
Em 31 de Dezembro de 1585, José de Anchieta escrevia a “Informação da Província do Brasil”, dirigida ao superior da ordem dos Jesuítas, onde se pode ler: “Pernambuco terra rica, de muitos mercadores, trata com açúcar e pau vermelho (...), no comércio é uma nova Luzitânea, e mui frequentada. Tem 66 engenhos de açúcar, e cada um uma grande povoação“ [181][181].
Saliente-se, no entanto, que muitos donatários se arruinaram ou estiveram muito perto disso. É o caso de Vasco Fróis Coutinho que, após tribulações e vexames, faleceu tão pobremente que vivia de esmolas. Também Miguel de Moura e Mem de Sá doaram as suas sesmarias, em 1571 e 1563, respectivamente, porque não lograram ter o sucesso que esperavam [182][182].
Não pensemos, contudo, que as dificuldades encontradas no Brasil fizeram esmorecer o ímpeto madeirense. Bem pelo contrário. Aliás, nos finais da centúria de quinhentos, a Madeira perdeu o seu papel de laboratório e centro de expansão da indústria sacarina, transferindo-os para o Brasil e transformou-se em entreposto de açúcar brasileiro, para ser vendido como açúcar madeirense, porque este último tinha fama de ser de melhor qualidade e, por isso, tinha melhor preço.
Acrescente-se, entretanto, em abono da verdade, que a crise da economia açucareira madeirense não surgiu apenas como resultado da concorrência do açúcar do Brasil. Para esta situação contribuíram factores de ordem interna, a saber: o cansaço da terra, a carência de adubagem e as alterações climáticas verificadas [183][183].
Dá-se assim um fenómeno verdadeiramente extraordinário: as ilhas portuguesas, que chegaram a produzir mais de 500.000 arrobas, perderam, a favor do Brasil, essa predominância, já em finais do século XVI. A Madeira é assim destronada pelo Brasil. Aliás e embora o Brasil fosse muito extenso, já no início do século XVII, o acesso à produção de cana era apenas possível através de compra ou arrendamento, pois que as áreas férteis do litoral nordestino haviam sido doadas [184][184]. Contribuiu para este florescimento dos engenhos de açúcar no Brasil, o engenho de três eixos [185][185], invenção inegavelmente ligada aos madeirenses aí residentes [186][186].
Interessante verificar que, ao referir-se a Francisco Fernandes da Ilha [187][187], que deveria estar no Brasil aquando do falecimento de seu pai, em 1630, onde se dedicaria à produção açucareira, Fernando de Meneses Vaz vaticina que o açúcar brasileiro “ derrubará o da Madeira. A Ilha Madre, a ilha geradora, era sacrificada ao progresso da expansão” [188][188].
No século XVII, a situação irá manter-se. Vejamos o que nos diz a este respeito o médico e naturalista inglês Hans Sloane que visitou a Madeira em Outubro de 1687: “esta ilha é muito fértil, tendo antigamente produzido grandes quantidades de açúcar aqui cultivado e de excelente qualidade. O que agora possuem é bom, mas muito escasso, devido à existência de muitas plantações açucareiras nas Índias Ocidentais. Assim, não lhes vale a pena cultivá-lo embora, depois de refinado ou depurado, seja muito branco, cotando-se meia libra dele com o valor de uma libra de outras espécies de açúcar. Assim, embora consigam um produto de maior cotação, acham que lhes é muito mais proveitoso dedicarem-se aos vinhos, pelo que apenas produzem o açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil, às suas próprias plantações” [189][189]. Temos aqui, uma vez mais, uma clara alusão às plantações e engenhos madeirenses no Brasil.
Sobre Olinda, antes da entrada dos holandeses, dizia um historiador que “o ouro e a prata era sem número, e quase não se estimava; o açúcar tanto, que não havia embarcações para o carregar, e não se podia dar vazão ao muito que havia, e daí os mimos e regalos que os pilotos faziam aos senhores de engenho e lavradores para lhes darem as suas cargas”. E acrescentava: “As festas e banquetes eram frequentes, para cujas mesas se importavam regularmente de Portugal e das suas possessões os mais delicados produtos. Só em vinhos consumiam-se anualmente muitos milhões de cruzados” [190][190].
Face a esta conjuntura, não é de estranhar que, a uma primeira leva de madeirenses como povoadores do Brasil, se sucedessem outras com objectivos comerciais.
3. Mercadores
Diz-nos o autor das Grandezas do Brasil: “Gente ... que trata de suas navegações e vem aos portos ... com suas naus e caravelas carregadas de fazenda que trazem por seu frete, aonde descarregam e adubam suas naus e as tornam a carregar.”
Também, e referindo-se a João Fernandes Vieira, Felner afirma que “ atingindo Vieira a idade de 11 annos (...) partiu furtivamente para o Brasil (...) chega a Pernambuco humilde e pobre, deixa logo o Recife, (...) vai para Olinda afim de não ser visto alli de muita gente que ia e vinha da Ilha cada anno ”.[191][191]
Efectivamente, o progresso económico do Brasil despertou a atenção da burguesia madeirense, que surge neste espaço geográfico à procura dos seus produtos. O açúcar vai atrair primeiro esta classe. Aliás, o recurso ao açúcar brasileiro foi a solução possível encontrada pelos madeirenses para debelar a crise da indústria açucareira na Ilha. Este açúcar, que vai ser exportado pela Madeira para o mercado europeu, irá ser, também, utilizado no consumo interno, nomeadamente na indústria de confeitos e conservas cujo valor económico era tão grande que a Ilha não se coibiu de importar açúcar do Brasil para esta indústria [192][192]. Note-se que, em 1680, se importaram do Brasil 2.575 arrobas de açúcar para o fabrico de casca [193][193]. Aliás, esta situação vai manter-se pois que, através de uma informação fornecida a D. António Jorge de Melo, governador da Ilha da Madeira de 1698 a 1701, temos conhecimento que “é a casquinha negócio muito grande porque há anno que se carregão com aquella terra mais de 20 embarcações de hu so doce para o qual he necesareo comprar assucar da terra ou mandalo vir do Brasil” [194][194]. Também o Convento da Encarnação, Misericórdia do Funchal e Recolhimento do Bom Jesus adquiriam, assíduamente, açúcar da Ilha ou do Brasil para o consumo interno [195][195].
Este comércio do açúcar do Brasil foi desde cedo alvo da legislação real a limitá-lo. Assim, em 1591, foi proibida a descarga de açúcar vindo do Brasil no porto do Funchal, medida que não produziu os efeitos desejados, na medida em que, na vereação de 17 de Outubro de 1596, encontramos uma reclamação junto da coroa para a aplicação plena de tal medida proibitória [196][196]. Em 1598, Filipe I interfere, atendendo assim às reclamações dos donos de engenho madeirenses, prejudicados com a entrada do açúcar brasileiro e com a possibilidade da perda de reputação da sua qualidade, e evitando também o entendimento com os holandeses e o subsequente contrabando na Pérola do Atlântico.
A partir de Dezembro de 1611, estipulou-se que a venda do açúcar brasileiro só seria possível após o esgotamento do madeirense e, após a Restauração da independência de Portugal, o comércio com o Brasil foi alvo de mais regulamentações. Primeiro, foi a criação do monopólio do comércio com o Brasil, através de uma companhia, depois o estabelecimento do sistema de comboios para maior segurança da navegação.
A primeira frota da companhia geral do comércio do estado do Brasil, comandada pelo Conde de Castelo Melhor aportou ao Funchal em Novembro de 1649, para aí carregar vinho. Será através desta frota que o madeirense Diogo Fernandes Branco, enviará para o Brasil, para João Velho Gondim marmelada esperando receber, no regresso, açúcar [197][197]. Note-se que, contrariamente ao que vaticinara Fernão Cardim [198][198], a Madeira continua, no século XVII, a exportar marmelada para o Brasil.
A partir de 1650, os Açores e a Madeira podem enviar isoladamente dois navios com capacidade para 300 pipas com os produtos da terra, que seriam trocados por tabaco, açúcar e madeiras. Será, aliás, na segunda metade do século XVII que o açúcar brasileiro se revelará um componente importante do comércio madeirense, situação a que não é alheio o facto de que, e como muito bem observou Helbert S. Klein, “as décadas a meio do século XVII serem o apogeu do domínio brasileiro no mercado europeu de açúcar” [199][199]. Assim e para o período de 1650-1691, Alberto Vieira identificou 39 navios provenientes da Baía, Rio de Janeiro, Pernambuco e Maranhão, com mais de 10.722 caixas de açúcar para a Madeira [200][200].
Mas, e também aqui, se fazia sentir a presença de embarcações não autorizadas que se serviam de vários expedientes para ultrapassar a legislação em vigor. Declaravam que tinham sido vítimas de um naufrágio ou de ameaças de corsários e descarregavam o açúcar transportado no porto do Funchal.
Em boa verdade, o ataque dos corsários era um perigo real e a prová-lo estão, entre outros, o saque, em 8 de Outubro de 1566, ao Funchal, por franceses [201][201] e o saque, em 1617, a Porto Santo, por corsários argelinos, que “levarão a mayor parte da gente que havia” [202][202].
Da presença neste comércio de navios não autorizados nos dá conta o movimento de entradas no porto do Funchal. Efectivamente, no ano de 1650, entraram neste porto, quatro navios, descendo este número para três nos anos de 1652, 1660, 1661, 1665, 1676 e 1678. Para o ano de 1669, registam-se quatro embarcações, subindo este quantitativo para cinco em 1671 e em 1691, e para seis em 1681 [203][203].
Nestas trocas comerciais com o Brasil, a Ilha da Madeira participou assim com navios que transportavam vinho, vinagre, roupas e outros produtos manufacturados com que obtinha, não só o rendoso açúcar, mas também, tabaco e pau-brasil.
Note-se, entretanto, que o vinho era um dos principais produtos na exportação da Madeira para o Brasil. A provar esta nossa afirmação estão muitas das cartas do já citado Diogo Fernandes Branco, que surge, em 1676, como sócio do governador da Madeira, João de Saldanha [204][204].
Note-se que nesta centúria de seiscentos encontramos, na Baía, dois abastados comerciantes ligados à Ilha da Madeira. São eles: Diogo de Aragão Pereira, das famílias Aragões e Camelos Pereiras da Ilha da Madeira, e o funchalense Baltasar de Aragão e Sousa Bangalo, da família Aragão da Madeira. D. Catarina de Aragão de Ayala, natural da Baía, respectivamente neta e bisneta, dos referidos comerciantes casou-se com um cunhado de Zenóbio Accioli, D. Félix de Bethencourt e Sá, que residia na Baía [205][205]. Também em Fevereiro de 1611, fazia comércio com o Brasil um navio do Funchal, de que era mestre João Fernandes e senhorio Gaspar das Neves [206][206] . O quadro não estaria, no entanto, completo se não referíssemos o tráfico negreiro que faz parte do circuito triangular, para o qual os madeirenses criaram a sua própria rede de negócios, com conterrâneos seus fixos em Angola e no Brasil. E embora a documentação coeva seja avara no respeitante à naturalidade dos mercadores que participavam neste comércio, sabemos que um deles, Diogo Fernandes Branco, era natural da Madeira. Este funchalense exportava vinho para Angola recebendo, como pagamento, escravos que vendia, no Brasil, por açúcar. De 1649 a 1652 este mercador enviou, para o Brasil, 133 pipas de vinho. Acresce-se ao exposto que seu pai e tios se tinham, também, dedicado ao comércio transatlântico [207][207].
A estes casos poderíamos juntar o de Francisco Fernandes Furna, exemplo documentado por um alvará régio, de 12 de Dezembro de 1642, que nos dá conta de que este madeirense enriquecera no Brasil com o negócio dos escravos e açúcares. Este alvará permite a este natural da Ilha da Madeira, armar uma nau para comercializar com Moçambique, Índia e China [208][208] . Também João Fernandes Vieira fazia trato com a Guiné [209][209].
Diz-nos o autor das Grandezas do Brasil: “Gente ... que trata de suas navegações e vem aos portos ... com suas naus e caravelas carregadas de fazenda que trazem por seu frete, aonde descarregam e adubam suas naus e as tornam a carregar.”
Também, e referindo-se a João Fernandes Vieira, Felner afirma que “ atingindo Vieira a idade de 11 annos (...) partiu furtivamente para o Brasil (...) chega a Pernambuco humilde e pobre, deixa logo o Recife, (...) vai para Olinda afim de não ser visto alli de muita gente que ia e vinha da Ilha cada anno ”.[191][191]
Efectivamente, o progresso económico do Brasil despertou a atenção da burguesia madeirense, que surge neste espaço geográfico à procura dos seus produtos. O açúcar vai atrair primeiro esta classe. Aliás, o recurso ao açúcar brasileiro foi a solução possível encontrada pelos madeirenses para debelar a crise da indústria açucareira na Ilha. Este açúcar, que vai ser exportado pela Madeira para o mercado europeu, irá ser, também, utilizado no consumo interno, nomeadamente na indústria de confeitos e conservas cujo valor económico era tão grande que a Ilha não se coibiu de importar açúcar do Brasil para esta indústria [192][192]. Note-se que, em 1680, se importaram do Brasil 2.575 arrobas de açúcar para o fabrico de casca [193][193]. Aliás, esta situação vai manter-se pois que, através de uma informação fornecida a D. António Jorge de Melo, governador da Ilha da Madeira de 1698 a 1701, temos conhecimento que “é a casquinha negócio muito grande porque há anno que se carregão com aquella terra mais de 20 embarcações de hu so doce para o qual he necesareo comprar assucar da terra ou mandalo vir do Brasil” [194][194]. Também o Convento da Encarnação, Misericórdia do Funchal e Recolhimento do Bom Jesus adquiriam, assíduamente, açúcar da Ilha ou do Brasil para o consumo interno [195][195].
Este comércio do açúcar do Brasil foi desde cedo alvo da legislação real a limitá-lo. Assim, em 1591, foi proibida a descarga de açúcar vindo do Brasil no porto do Funchal, medida que não produziu os efeitos desejados, na medida em que, na vereação de 17 de Outubro de 1596, encontramos uma reclamação junto da coroa para a aplicação plena de tal medida proibitória [196][196]. Em 1598, Filipe I interfere, atendendo assim às reclamações dos donos de engenho madeirenses, prejudicados com a entrada do açúcar brasileiro e com a possibilidade da perda de reputação da sua qualidade, e evitando também o entendimento com os holandeses e o subsequente contrabando na Pérola do Atlântico.
A partir de Dezembro de 1611, estipulou-se que a venda do açúcar brasileiro só seria possível após o esgotamento do madeirense e, após a Restauração da independência de Portugal, o comércio com o Brasil foi alvo de mais regulamentações. Primeiro, foi a criação do monopólio do comércio com o Brasil, através de uma companhia, depois o estabelecimento do sistema de comboios para maior segurança da navegação.
A primeira frota da companhia geral do comércio do estado do Brasil, comandada pelo Conde de Castelo Melhor aportou ao Funchal em Novembro de 1649, para aí carregar vinho. Será através desta frota que o madeirense Diogo Fernandes Branco, enviará para o Brasil, para João Velho Gondim marmelada esperando receber, no regresso, açúcar [197][197]. Note-se que, contrariamente ao que vaticinara Fernão Cardim [198][198], a Madeira continua, no século XVII, a exportar marmelada para o Brasil.
A partir de 1650, os Açores e a Madeira podem enviar isoladamente dois navios com capacidade para 300 pipas com os produtos da terra, que seriam trocados por tabaco, açúcar e madeiras. Será, aliás, na segunda metade do século XVII que o açúcar brasileiro se revelará um componente importante do comércio madeirense, situação a que não é alheio o facto de que, e como muito bem observou Helbert S. Klein, “as décadas a meio do século XVII serem o apogeu do domínio brasileiro no mercado europeu de açúcar” [199][199]. Assim e para o período de 1650-1691, Alberto Vieira identificou 39 navios provenientes da Baía, Rio de Janeiro, Pernambuco e Maranhão, com mais de 10.722 caixas de açúcar para a Madeira [200][200].
Mas, e também aqui, se fazia sentir a presença de embarcações não autorizadas que se serviam de vários expedientes para ultrapassar a legislação em vigor. Declaravam que tinham sido vítimas de um naufrágio ou de ameaças de corsários e descarregavam o açúcar transportado no porto do Funchal.
Em boa verdade, o ataque dos corsários era um perigo real e a prová-lo estão, entre outros, o saque, em 8 de Outubro de 1566, ao Funchal, por franceses [201][201] e o saque, em 1617, a Porto Santo, por corsários argelinos, que “levarão a mayor parte da gente que havia” [202][202].
Da presença neste comércio de navios não autorizados nos dá conta o movimento de entradas no porto do Funchal. Efectivamente, no ano de 1650, entraram neste porto, quatro navios, descendo este número para três nos anos de 1652, 1660, 1661, 1665, 1676 e 1678. Para o ano de 1669, registam-se quatro embarcações, subindo este quantitativo para cinco em 1671 e em 1691, e para seis em 1681 [203][203].
Nestas trocas comerciais com o Brasil, a Ilha da Madeira participou assim com navios que transportavam vinho, vinagre, roupas e outros produtos manufacturados com que obtinha, não só o rendoso açúcar, mas também, tabaco e pau-brasil.
Note-se, entretanto, que o vinho era um dos principais produtos na exportação da Madeira para o Brasil. A provar esta nossa afirmação estão muitas das cartas do já citado Diogo Fernandes Branco, que surge, em 1676, como sócio do governador da Madeira, João de Saldanha [204][204].
Note-se que nesta centúria de seiscentos encontramos, na Baía, dois abastados comerciantes ligados à Ilha da Madeira. São eles: Diogo de Aragão Pereira, das famílias Aragões e Camelos Pereiras da Ilha da Madeira, e o funchalense Baltasar de Aragão e Sousa Bangalo, da família Aragão da Madeira. D. Catarina de Aragão de Ayala, natural da Baía, respectivamente neta e bisneta, dos referidos comerciantes casou-se com um cunhado de Zenóbio Accioli, D. Félix de Bethencourt e Sá, que residia na Baía [205][205]. Também em Fevereiro de 1611, fazia comércio com o Brasil um navio do Funchal, de que era mestre João Fernandes e senhorio Gaspar das Neves [206][206] . O quadro não estaria, no entanto, completo se não referíssemos o tráfico negreiro que faz parte do circuito triangular, para o qual os madeirenses criaram a sua própria rede de negócios, com conterrâneos seus fixos em Angola e no Brasil. E embora a documentação coeva seja avara no respeitante à naturalidade dos mercadores que participavam neste comércio, sabemos que um deles, Diogo Fernandes Branco, era natural da Madeira. Este funchalense exportava vinho para Angola recebendo, como pagamento, escravos que vendia, no Brasil, por açúcar. De 1649 a 1652 este mercador enviou, para o Brasil, 133 pipas de vinho. Acresce-se ao exposto que seu pai e tios se tinham, também, dedicado ao comércio transatlântico [207][207].
A estes casos poderíamos juntar o de Francisco Fernandes Furna, exemplo documentado por um alvará régio, de 12 de Dezembro de 1642, que nos dá conta de que este madeirense enriquecera no Brasil com o negócio dos escravos e açúcares. Este alvará permite a este natural da Ilha da Madeira, armar uma nau para comercializar com Moçambique, Índia e China [208][208] . Também João Fernandes Vieira fazia trato com a Guiné [209][209].
4. Criadores de gado
Ainda no aspecto económico convirá também não esquecer o papel dos madeirenses como criadores de gado no Brasil. Nos lugares onde as condições climáticas não permitiram a cultura da cana-de-açúcar, procedeu-se à criação de gado bovino, indispensável ao trato das lavouras e dos engenhos sobretudo para o transporte de cana e de lenha. A criação de gado fornecia, além do transporte, força motriz para as moendas mais simples, alimento para a população e produção de couros para o mercado externo. Mais uma vez aqui se revela o contributo da Ilha da Madeira no envio das primeiras cabeças de gado que entraram no Brasil [210][210]. Aliás, também os madeirenses se dedicaram, no Brasil, à criação de gado. A título de exemplo, gostaríamos de nomear Pedro Leme [211][211] e Gabriel Cristóvão de Meneses, natural da vila de Machico, que foi para o Brasil enviado por seu tio António Rodrigues da Silva, em cuja companhia foi criado desde pequeno. Seria de uma “boa família da Ilha, morgado, mas muito estroina, pelo que a família o mandára à falsa fé para o Brasil, em companhia dum tio armador, que o entretêra a bordo até á saída da embarcação” [212][212]. Gabriel Cristóvão de Menezes era filho de António Moniz Barreto e de D. Teodora. A 7 de Agosto de 1726, obtém a primeira sesmaria no Brasil. Através da devassa de 6 de Dezembro de 1728, temos conhecimento de que, aos vinte e nove anos, era criador de gado [213][213].
Eis, pois, referenciada e comprovada a participação activa dos madeirenses na economia brasileira. Importa agora demonstrar o mesmo protagonismo na defesa de Terras de Vera Cruz.
5. Madeirenses na defesa militar do Brasil
Posicionado na margem ocidental do Atlântico, o Brasil suscitou, desde cedo, a cobiça de corsários e piratas e sobretudo de armadores franceses, holandeses e ingleses que pretendiam aí comercializar e até instalar-se. Esta situação tornou imperiosa a defesa da América Portuguesa.
Aqui, uma vez mais a documentação coeva revela o activo protagonismo dos madeirenses nesta árdua tarefa de manutenção e defesa das praças brasileiras. De facto já Max Justo Guedes salientava que “tanto na resistência, quanto na restauração, foi da maior transcendência o papel das Ilhas Atlânticas; já o seu posicionamento geográfico (...) antecipava tal papel, balizas e rendez-vous que eram as esquadras e armadas sucessivamente enviadas “ [214][214].
Esta acção foi evidente e imprescindível no Brasil dos séculos XVI, XVII e XVIII, destacando-se a presença madeirense nas diversas armadas de socorro a Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina, enviadas do Reino, nas levas levantadas na Ilha da Madeira e no contributo monetário e de géneros alimentares solicitados aos habitantes da Pérola do Atlântico.
Na linha da política de defesa de Terras de Vera Cruz, surge o plano de divisão do Brasil em capitanias, em 1534, que parecia o mais adequado para impedir o acesso de mercadores estrangeiros, promover o povoamento e arroteamento das terras e edificar fortalezas nos portos. É de realçar que esta divisão administrativa do Brasil tinha sido já utilizada anteriormente na Madeira e, para além das conjecturas sobre Pedro de Góis, de que falaremos a seguir, o certo é que o madeirense Francisco de Aguiar (bisneto de Diogo Afonso de Aguiar e da terceira filha de João Gonçalves Zarco), será capitão da capitania do Espírito Santo, no Brasil, deixada por Vasco Fernandes Coutinho, seu tio, primo-irmão de seu pai [215][215]. Também o madeirense António Teixeira de Mello, filho de Pedro Gonçalves Ferreira e de Ana de Melo, será contemplado por mercê régia, de 2 de Agosto de 1647, com a capitania do Pará, por 6 anos. Finalmente, o capitão Pedro Vogado, natural da Ilha da Madeira, governou a capitania de Itamaracá ou Santa Cruz, na ausência do capitão João Gonçalves [216][216].
Quanto a Pedro de Góis, que suspeitamos ser madeirense, foi-lhe atribuída a capitania de S. Tomé. A ele faz referência Frei Vicente do Salvador, nos seguintes termos: “fidalgo honrado muito cavaleiro” que “pela afeição que tomou à terra pediu a el-rei D. João que lhe desse nela uma capitania, e assim lhe fez mercê de cinquenta léguas de terra ao longo da costa ou as que se achassem donde acabassem as de Martim Afonso de Sousa, até que entestasse com as de Vasco Fernandes Coutinho” [217][217].
Para além destes factos, temos conhecimento ainda de madeirenses que foram com os capitães donatários para o Brasil. Efectivamente, quando D. João III doou a Luís de Melo da Silva a capitania do Maranhão este partiu de Lisboa com três naus e duas caravelas, “com trezentos homens de pé e cinquenta de cavalo, além de muitas mulheres” [218][218] perdendo-se, em Novembro de 1554, no Maranhão, “ nos esparcéis e baixos da barra, e morreu a maior parte da gente que levava, escapando só ele com alguns em uma caravela, que ficou fora do perigo, e dezoito homens em um batel, que foi ter à ilha de São Domingos” [219][219]. Como já referimos oportunamente, Pedro Moniz e Vasco Moniz, naturais da Ilha da Madeira, embarcaram nesta Armada e perderam-se com ela [220][220].
Mas a costa do Brasil continuava a ser ameaçada, sobretudo pelos corsários franceses. Em 1548, e comprovando essa realidade, dizia o nosso já referenciado Luís de Góis: “Se com tempo e brevidade Vossa Alteza não socorre estas capitanias e costa do Brasil, ainda que nós percamos as vidas e fazendas, Vossa Alteza perderá a terra” [221][221]. E tinha razão, pois que, por duas vezes, tentou a França ocupar territórios portugueses no Brasil. A primeira para construir a França Antártica e a segunda a França Equinocial, objectivos que não serão atingidos, embora nesta última tentativa tenham os franceses erguido, em 1612, no Maranhão, o forte de São Luís.
No gorar destes planos franceses, foi importante a participação madeirense. Concretamente, Bartolomeu de Melo Berenguer, filho de Pedro Berenguer e de D. Maria da Câmara, militou na guerra do Maranhão e participou na restauração da cidade de S. Luís, assim como António Teixeira de Melo, a quem já nos referimos anteriormente, o qual obteve uma mercê régia, em 2 de Agosto de 1647, pelos seus serviços na conquista do Maranhão, em 1614. Este madeirense foi ainda eleito em 1642, pelo povo, capitão da cidade de S. Luís.
Mas a maior ameaça ao domínio português, no Brasil, ficou a dever-se aos holandeses que ocuparam as regiões produtoras de açúcar do Nordeste brasileiro. Dada a sua importância, os holandeses conquistaram Salvador, a capital brasileira, em Maio de 1624, de onde serão expulsos, em 30 de Abril de 1625.
Também aqui não se pode deixar de focar o papel desempenhado pelos madeirenses na defesa de Salvador do inimigo holandês. Efectivamente, Tristão de França foi com uma caravela em socorro da Baía e entrou em combate com os holandeses no Forte de Santo António e na Fortaleza do Môrro [222][222]. António de Freitas da Silva fez parte do exército que restaurou a Baía [223][223], assim como Manuel Dias de Andrade, nascido em 1585, na Madeira, herdeiro da casa paterna, que era capitão de um galeão da armada que atacou aquela cidade [224][224] e seu filho, Francisco de Andrade, que participou na armada de 1635, de socorro ao Brasil. O alvará de mercê de moço fidalgo a este madeirense, data de 21 de Abril de 1642, e observa que Francisco de Andrade continua, em 1642, a servir Portugal no Brasil. Mais afirma que a sua mercê lhe é devida também pelos serviços que seu irmão Fernão Dias de Andrade prestou no Brasil, de 1635 a 1639, data em que faleceu no incêndio de um dos navios da armada, e pelo contributo dado pelo seu pai, Manuel Dias de Andrade, desde 1624 a 1638 “nas Armadas deste Reino, e Estado do Brasil e Ilha da Madeira, em praça de soldado, capitão e tenente do mestre de Campo General” [225][225].
Igualmente importante foi o contributo de Manuel de Sousa Mascarenhas que, posteriormente, foi Governador da Ilha da Madeira. Era filho de Francisco de Sousa Pereira, Capitão de Pernambuco, e de D. Maria Mascarenhas. Seu filho, Francisco de Sousa Pereira (homónimo do avô), faleceu sem geração, na guerra de Pernambuco.
Após a expulsão dos holandeses de S. Salvador, estes continuaram, no entanto, a atacar navios carregados de produtos brasileiros, sobretudo de açúcar e, em Fevereiro de 1630, ocuparam Olinda, capital açucareira do Brasil. Era então um dos vereadores de Olinda, António Vieira de Melo [226][226], casado com Margarida Moniz, filha dos madeirenses Marcos Fernandes Bettencourt e Paula Antunes. E, coronel de um dos dois terços da Ordenança que havia em Olinda e seu termo, Pedro da Cunha de Andrade, “em cuja ocasião procedeu com honra propria da sua pessoa, porque foi filho de Rui Gonçalves de Andrade, fidalgo da Ilha da Madeira e de sua mulher D. Leonor da Cunha” [227][227].
A perda de Olinda foi um grande choque para Portugal que, imediatamente, preparou frotas de emergência que enviou para a Baía, em 1630 e em 1631. Nelas salienta-se a de D. António Oquendo, que mostrou ser impossível reconquistar Olinda. Nesta armada participaram também madeirenses. É o caso do sargento-mór António Salvago de Sousa, filho de Gaspar Salvago, que, pelos serviços prestados no Brasil e na armada de D. Antonio Oquendo, recebeu do rei uma “pensão de 30#000 réis em uma commenda da Ordem de Christo” [228][228].
Fundou-se então o Arraial do Bom Jesus dando-se início à longa resistência portuguesa contra os holandeses, cujos contingentes aumentaram paulatinamente com “elementos provenientes das capitanias vizinhas, bem assim das ilhas portuguesas do Atlântico, do próprio Portugal e também da Espanha” [229][229].
Viveu-se então uma certa agitação na Madeira com as notícias do Brasil, tendo sido armadas algumas esquadras que irão dar o seu valioso contributo na defesa de terras de Vera Cruz contra o inimigo usurpador. Concretamente, em 1631, João de Freitas da Silva levantou, na ilha da Madeira e a suas expensas, uma companhia de 100 homens, com os quais foi servir em Pernambuco, onde foi morto pelos holandeses [230][230]. Como morreu solteiro, foi seu tio, Brás de Freitas da Silva, que recebeu, em 7 de Agosto de 1647, uma mercê do rei pelos serviços prestados pelo seu sobrinho [231][231]. Era filho de Bernardo de Freitas da Silva e de D. Leonor da Silva e Vasconcelos, pertencendo, assim, à família dos Freitas da Madalena do Mar, que veio também a distinguir-se em Pernambuco, através de Jacinto de Freitas da Silva e de seus filhos João de Freitas da Silva, Duarte de Albuquerque [232][232], Luís de Albuquerque [233][233], e António de Freitas da Silva. Este último foi capitão nas guerras de Pernambuco, general da Armada Real e comendador na de Cristo, para além de ter participado na restauração do Brasil, como vimos [234][234]. Aliás, quando F. A. Pereira da Costa se refere à capitulação do forte real do Bom Jesus do Arraial Velho, em 6 de Junho de 1635, observa que, de entre os moradores que se encontravam no forte, se contavam “muitos homens nobres e ricos como António de Freitas da Silva, senhores de engenhos, lavradores e proprietários, os quais, violentamente conseguiram a sua liberdade a troco de dinheiro [235][235].
Ainda na primeira metade do século XVII se levantaram na Madeira outras levas, como a do madeirense Francisco de Betencourt e Sá que, em 1632, seguiu para o Brasil com o posto de Sargento-Mor, à frente de uma companhia de 100 homens, mantidos à sua custa. Levava consigo o seu filho mais velho, Gaspar de Bettencourt e Sá, de 12 anos de idade, a quem os holandeses deceparam um braço na viagem, durante um recontro que tiveram em pleno mar, dois dias antes de avistarem o porto dos Franceses [236][236].
Em Outubro de 1638, parte de Lisboa uma poderosa frota de auxílio a Pernambuco, comandada por D. Fernando Mascarenhas, conde da Torre. Um dos mestres de campo era o madeirense Manuel Dias de Andrade [237][237] que tinha, como vimos, participado na restauração da Baía e que faleceu em Cabo Verde, quando a frota portuguesa aí aguardou a esquadra de Castela, durante vinte dias. Aliás, esta permanência em Cabo Verde custou muitas vidas e grande número de enfermos [238][238].
Através da mercê régia atribuída a Zenóbio Accioli de Vasconcelos, temos conhecimento que, também este, participou na armada do conde da Torre e acompanhou Luís Barbalho Bezerra na jornada a pé até à Baía que segundo Pedro Calmon “ deu à história dessas lutas intermitentes um retoque de epopeia; inquietou e flagelou o estrangeiro que se julgava senhor do país, entre o Rio Grande e Sergipe; mostrou que a guerra continuava” [239][239].
Em 26 de Maio de 1639, D. Fernando Mascarenhas escreve ao rei nos seguintes termos: “ fico procurando bastimentos com o trabalho e cuidado que Vossa Magestade mandará ver da cópia de uma carta de D. Francisco de Moura, que vai com esta, esperando que venhão os navios de Buenos-Ayres e das capitanias do Sul, e os que Vossa Magestade deve haver mandado das ilhas ” [240][240]. Será, com a chegada destes navios que o conde da Torre intentará investir contra Pernambuco. Num destes navios e durante a viagem para o Brasil, bebeu-se “vinho de Sam Miguel e da Madeyra” [241][241] e o mestre de campo D. Diogo Lobo ofereceu “hum pam de assucar” ao padre Pedro de Moura, visitador da Inquisição, que viajava na armada [242][242].
Para além dos soldados solicitados à Ilha da Madeira e aí instruídos, fardados e armados, foi-lhe também pedido desde 1633, assim como aos Açores, o fornecimento de uma parte do dinheiro necessário à Coroa Portuguesa para defender Pernambuco. Assim, é ordenado ao bispo governador do Funchal que a Ilha deve contribuir para este fim e à, semelhança dos Açores, com 30 mil cruzados [243][243].
Em Setembro de 1642, o Maranhão dá o seu grito de revolta, não obstante ter chegado ao Brasil, em 30 de Agosto de 1642, o novo governador António Teles da Silva e com ele a notícia de uma trégua concertada entre Portugal e a Holanda. Foi cabeça de revolta António Moniz Barreiro, a quem sucedeu depois o madeirense António Teixeira de Melo. A este último se refere Henrique Henriques de Noronha, observando que era filho de Ana de Melo e de Pedro Gonçalves Ferreira e que este o criou em sigilo, porque sua mãe o deu à luz solteira. Mais acrescenta que foi enviado com poucos anos pelo seu pai para o Maranhão, onde serviu e foi capitão-mór e governador das armas, na ausência de António Moniz Barreiros. O Livro de Portarias do Reino contempla a mercê atribuída a este madeirense, nos termos que passamos a transcrever: “mercê a Antonio Teixeira de Mello, natural da Madeira, filho de Pedro Gonçalves Ferreira, da capitania do Pará por 6 annos, e de 40$000 réis de pensão em uma das commendas da Ordem de Christo, para os ter com o habito; pelos seus serviços na conquista do Maranhão em 1614 tendo sido expulsos os franceses, no socorro do Pará, tomada de uma lancha de hollandeses e do forte que os ingleses tinham na barra do Amazonas, sendo eleito em 1642, pelo povo, capitão da cidade de S. Luís” [244][244]. Retenha-se o significado desta mercê régia.
Também Francisco de Varnhagen afirma que, no Maranhão “a conspiração teve a fortuna de encontrar à sua frente nobres caracteres, como foram os senhores de engenho António Barreiros e António Teixeira de Melo” [245][245]. Este último, o libertador do Maranhão, foi mesmo acusado, perante os tribunais, por António Coelho de Carvalho, donatário de Tapuitapera, de ser o responsável pelo seu prejuízo de quatro mil cruzados, em consequência de ter obrigado os seus colonos aos trabalhos da guerra, acusação aceite pelo tribunal que, por sentença de 12 de Dezembro de 1646, o condena ao citado pagamento. No entanto, e talvez como reparação a tamanha injustiça, o rei, vendo-o reduzido à miséria, concede-lhe a capitania do Pará por seis anos [246][246].
Três anos depois do grito de revolta do Maranhão, e um ano depois do embarque do conde de Nassau para a Europa [247][247], os colonos portugueses liderados pelo madeirense João Fernandes Vieira, um dos favorecidos pela política holandesa, obtiveram a primeira grande vitória sobre o invasor holandês, no Monte das Tabocas, em 3 de Agosto de 1645. Em regozijo por esta estrondosa vitória, João Fernandes Vieira de quem adiante voltaremos a falar mais detalhadamente, liberta cinquenta escravos seus que “valentemente o haviam ajudado naquela ocasião”, com a condição “de o acompanharem e servirem na guerra enquanto durasse a emprêsa da liberdade” [248][248]. Posteriormente e para comemorar este feito de armas, mandou a Câmara do senado da cidade de Olinda, em 1709, pintar um grande quadro a óleo sobre madeira [249][249].
Homens da confiança de João Fernandes Vieira e que se juntaram a ele nesta insurreição foram entre outros, Amaro Lopes de Madeira em quem “confiava muito de sua fidelidade, por ser homem que o merecia e ser natural de sua pátria e Ilha da Madeira e (...) um mancebo da Ilha da Madeira chamado Diogo da Silva, que lhe servia de secretário e sempre o acompanhou a seu lado, em todas as tramas, perigos e ocasiões de importância”.[250][250] Encontramo-lo já, em 17 de Junho de 1647, a secretariar a patente mais remota de que se tem conhecimento passada por João Fernandes Vieira [251][251].
Aliás, já anteriormente, em 23 de Maio de 1645, os conjurados tinham feito um pacto em que prometeram “em serviço da liberdade não faltar a todo tempo que fôr necessario com toda a ajuda de fazenda e pessoas contra todo o risco que se offerecer contra qualquer inimigo, (...) para o que se obrigavam “a manter todo segredo que nisto convem, sob pena de que, quem o contrario fizer, ser tido por rebelde e traidor e ficar sugeito ao que as leis em tal caso permittem ” [252][252].
Dos assinantes deste pacto, ressalta, em primeiro lugar, João Fernandes Vieira, seguido de outros madeirenses ou seus descendentes, a saber, António Bezerra, António Cavalcante, Bernardim de Carvalho, Francisco Berenguer de Andrade, Amaro Lopes de Madeira e António Carneiro de Mariz [253][253].
Este protagonismo madeirense é observado por Varnaghen que, e referindo-se ao desentendimento ocorrido, em Julho de 1645, que opôs António Cavalcante e Bernardino de Carvalho, entre outros, a João Fernandes Vieira, observa que foram “contra e a favor de Fernandes Vieira a tropa da Bahia, os filhos de Portugal e da Ilha da Madeira, e os eclesiásticos” [254][254]. Refira-se que também Fernando de Meneses Vaz salienta a importância do elemento madeirense na defesa dos direitos portugueses usurpados pelos holandeses, apontando, para além dos já referidos, os nomes do capitão João Nunes Vitória, que parece ter nascido na Ilha da Madeira, e de Cosmo de Castro, cujo sobrinho, o capitão António de Paços, se casou na Pérola do Atlântico. Todos se terão evidenciado desde a primeira hora do levantamento de Pernambuco [255][255].
Entretanto, com tropas da Baía, André Vidal de Negreiros, filho da porto-santense Catarina Ferreira e Martim Soares Moreno desembarcaram perto de Serinhaém e tomaram o forte que os flamengos aí mantinham. Reunidas as duas forças marcharam para o Recife, obtendo nova vitória em Casa Forte, em 17 de Agosto de 1645. Neste local, e em represália à prisão dos capitães Blac e Rick, estavam prisioneiras dos holandeses, entre outras, as esposas dos madeirenses Francisco Berenguer de Andrade e António Bezerra, respectivamente, D. Ana Bezerra (sogra de João Fernandes Vieira) e D. Isabel de Góis, que serão libertadas por Vidal e Vieira [256][256].
Esta batalha consagrada com o nome de Batalha da Casa Forte foi relembrada pelo Instituto Histórico Pernambucano, em 15 de Novembro de 1918, que na capela, do engenho da Casa Forte colocou uma lápide comemorativa desse feito, onde se pode ler: “Neste local, denominado outrora Engenho Ana Pais, a 17 de agôsto de 1645, o exército pernambucano dirigido por Vieira, Vidal, Dias e Camarão, combateu uma coluna holandesa que havia raptado matronas pernambucanas e se fortalecido na casa de moradia à direita da igreja, resultando vitória para os libertadores, com o aprisionamento completo dos inimigos” [257][257].
Como centro das operações, fundou-se, então, próximo do Recife, o Arraial Novo, onde, em 7 de Outubro de 1645, João Fernandes Vieira foi aclamado governador, assinando o termo de aclamação, entre outros, o juíz ordinário Francisco Berenguer de Andrade [258][258].
Em 16 de Janeiro de 1646, o rei, considerando “o muito que importa enviar ao Brasil os mais esforçados socorros que for possível” [259][259] encarregou Francisco de Figueiroa de levantar nas Ilhas da Madeira e dos Açores um terço de infantaria “ou o maior número dela que pudesse ser” [260][260] e, em 17 de Março, ordenou que “os capitães nomeados para o têrço de Francisco Figueiroa se embarcassem logo para as Ilhas a tomar posse das companhias e fazer viagem” [261][261]. Na Consulta do Conselho, em 27 de Abril de 1646, encontra-se o detalhe da formação desse contingente: -“De presente estão para partir quatro capitães para as Ilhas, onde Vossa Magestade tem nomeado o levante Francisco de Figueiroa, e quinhentos infantes; e porque o Conselho é entendido que vão todos em direitura à Ilha da Madeira, para dali irem ás outras ilhas de barlavento, pareceu lenbrar a Vossa Magestade que será grande a dilação e se dificultará o socorro indo nesta forma, e que convém que vão, daqui, dois capitães à ilha da Madeira e dois à ilha dos Açores e que estes levem duas caravelas para levarem gente à Baía, porque poderão lá faltar, e muito que isso não possa ser, por falta de caravelas e a respeito da brevidade com que convém se obre neste negócio, se deve ordenar, que esta caravela em que vão estes capitães para a Ilha da Madeira, vá pela ilha de S. Miguel e bote ali um capitão e vá botar outro na Terceira, e nas mais ilhas vão levantar a sua companhia, e que os outros dois capitães e sargentos-mór passem na caravela à ilha da Madeira, onde está o Mestre de Campo, levando armas para estes quinhentos infantes, deixando a cada companhia cem armas, para armar a sua companhia e munições necessárias, dando-lhe caixas e bandeiras” [262][262].
Aliás, em 2 de Maio de 1645, o governador da Madeira, Manuel de Sousa Mascarenhas, profundo conhecedor dos problemas enfrentados pelo Brasil, tinha escrito ao rei, sobre o auxílio humano e a pólvora que podia enviar da Madeira para o Brasil [263][263]. Francisco Figueiroa, que estava na altura na Madeira, terra de onde era oriundo, e também tinha militado na Baía, foi o escolhido para comandar esta nova leva de quinhentos madeirenses, como mestre de campo.
Nas indicações que recebeu Francisco de Figueiroa, consta que das companhias de ordenança madeirenses pode “tirar duas ou três pessoas, solteiras, provendo-as de armas, não ficando a Ilha desprevenida delas” [264][264]. O Terço dos Ilhéus, como ficou conhecido, só chegou à Baía em 1647, seguindo depois para Pernambuco, onde participou, activamente, na última fase da guerra contra o invasor batavo [265][265]. A esta leva se refere Pedro Calmon que observa que os holandeses não podiam contrabalançar a perda de África com o ataque a Francisco Barreto no Arraial “onde se reforçara com o têrço das ilhas (do Mestre-de-Campo Francisco de Figueiroa) ” [266][266].
Foi ainda solicitado à Ilha da Madeira que, face ao aprisionamento por parte dos holandeses, de alguns navios portugueses com mantimentos, com destino ao Brasil, a Madeira contribuisse da melhor forma possível. Este apelo foi bem sucedido. Também em 11 de Agosto de 1650 é enviada uma carta régia ao Governador da Madeira, Manuel Lobo da Silva, ordenando-lhe o envio de mantimentos para o Brasil, porque os navios ingleses os tinham tomado à saída da barra de Lisboa, ao mesmo tempo que é solicitado à população madeirense a ajuda através de mantimentos à Baía e portos de Pernambuco, o que será tido “em grande serviço” [267][267].
A 26 de Dezembro de 1647, tomou posse na Baía o 18º governador, D. António Teles de Meneses, que foi acompanhado de vários soldados provenientes das levas levantadas por todo o País. De destacar nesta armada, como capitão, a presença do madeirense Aires de Ornelas de Vasconcelos, filho de Brites de Maris e de Agostinho de Ornelas de Moura, nascido em 1620. E a de Tristão de França, como capitão de mar e guerra, valoroso madeirense que se distinguiu nas guerras do Brasil e que foi cavaleiro de Cristo e fidalgo da Casa Real [268][268].
Em 19 de Abril de 1648, os holandeses são vencidos pelos insurrectos na primeira das batalhas dos Guararapes, tornando assim irreversível a sua expulsão do território brasileiro que se tornará realidade seis anos depois. Como referiu Pedro Calmon, “Sigismundo Schoppe não perdera somente a batalha, perdera a guerra” [269][269].
Nesse ano, o conselho Ultramarino é informado, pelo Dr. Gaspar Machado de Barros, que é possível organizar mais uma campanhia de infantaria na Ilha da Madeira para socorrer o Brasil [270][270]. De facto, em 2 de Agosto de 1648, pediu o Conselho Ultramarino, “que se tirem da Ilha da Madeira, os soldados, pela necessidade de que há deles no Rio de Janeiro, como porque da Ilha serão mais certos e menos custosos e mais fáceis de conduzir que deste Reino, em que as levas das fronteiras são tão contínuas e dificultosas e os efeitos, de que a despesa se pode fazer, parece, devem ser de algumas cobranças que na Ilha se fizeram e de outros efeitos da Fazenda Real que não estiverem aplicados a consignações” [271][271]. Para esta nova leva, foi escolhido como capitão um nobre da ilha da Madeira, D. Francisco Henriques, que seguiu para o Brasil, em 1649 [272][272].
Note-se que o envio de soldados da Ilha da Madeira para terras de Vera Cruz não findou com o términus da guerra contra os holandeses. Efectivamente, em 2 de Fevereiro de 1698, é solicitado ao governador da Madeira, Pantaleão de Sá e Melo, o envio de duzentos soldados, para o Estado do Maranhão, que são prontamente enviados a 10 de Abril do mesmo ano. Da prontidão com que foi executada esta ordem pelo governador, ele mesmo nos dá conta através da sua carta ao rei, datada de 30 de Abril de 1698. Pelo seu valor probatório, justifica-se a transcrição integral que se segue: - “Das cartas queVossa Senhoria me escreveo para fazer duzentos soldados para o Estado do Maranhão me chegou a primeira em 2 de Fevereyro; e porque Vossa Senhoria na margem da mesma carta que tendo o Cappitam do navio em que esta gente se havia de embarcar determinado partir com as Naos da India se rezolvia a fazer viagem nos primeiros de Março, procurey que os duzentos homens estivessem promptos para quinze do ditto mez e foy tam sucedida, supposto que com grande trabalho, a minha deligencia, que pude conseguir o effeito do ditto delle ainda antes do dia, que emtendi poderia bastar, para se não deter o navio, por causa desta gente, que havia de levar. Em quatorze de Março estavão os duzentos homens promptos de tudo o necessario com mais comviniencia da fazenda de Sua Magestade como tambem por cauza da minha deligencia, aproveitandoa pellos prymeiros, que me offereceo a occazião; e chegando o dito navio em quatro de Abril, o fiz partir a dez deste referido mez.
A gente, que mandei asentar praça, fardei e remeti, foy toda de idade, que consta, do pé da lista incluza, sem cauza que os pudece justamente e sem achaque algum, que lhe pudece ser de empedimento para servir. Levarão todos espadas, que com adevertencias sobre a minha deligencia, descubri, para que não fossem sem elas; e na proporção dos corpos, puderão ter prestimo de soldados, se os fizer a disciplina militar e o poderião ser nessa Corte se fossem para ella.
Valime do credito do Conselho da fazenda, na quantia de 2256V375 de que passei letras, que o Provedor remete pela via, a que toca. Estimarey ter acertado nesta deligencia, por ser do serviço de Sua Magestade e por que Vossa Senhoria ma encarregou, a quem muito especial devo obedecer e servir. Deos guarde a Vossa Senhoria muitos annos. Funchal em 30 de Abril de 1698. Mayor servidor de Vossa Senhoria Pantaleão de Sá e Mello” [273][273].
Ainda nos finais do século XVII foram enviados militares sob o comando do sargento-mor de Machico, Cristovão de Ornelas de Abreu para o Rio de Janeiro e para Santa Catarina [274][274].
Também durante o governo de D. João de Abreu Castelo Branco, como governador da Ilha da Madeira (1733-1737), se organizou uma leva de trezentos soldados para a guarnição da colónia de Santa Catarina [275][275].
Entretanto, em Fevereiro de 1649, a segunda batalha dos Guararapes tinha sitiado, definitivamente, os holandeses no Recife. Nesta batalha, os holandeses perderam dez bandeiras, entre as quais “como despojo de maior estimação e de maior preço o estandarte-general, que ficou em poder de João Fernandes Vieira” , como refere F. A. Pereira da Costa, citando frei Rafael de Jesus [276][276].
Para comemorar as duas batalhas dos Guararapes, mandou a câmara do senado de Olinda, em 1709, pintar dois painéis sobre madeira para decoração do paço municipal, representando estes dois confrontos bélicos e, com o mesmo objectivo, é alterado, em 1870, o nome da Rua Nova do Pilar ou Rua Nova de Santo Amaro para Rua dos Guararapes. A segunda batalha será relembrada em 1781 pelo governador José César de Menezes, ao mandar pintá-la no forro do coro da igreja de Nossa Senhora dos Militares, no Recife [277][277] .
Neste segundo recontro participaram vários madeirenses entre os quais gostaríamos de mencionar, para além de João Fernandes Vieira, Agostinho César de Andrade, de quem o autor dos Anais Pernambucanos diz que “ tendo servido com distinção na campanha contra os holandeses (...) serviu êle na Bahia e em Pernambuco, desde 1647 até 1654, em praça de soldado, alferes, e capitão de auxiliares e de cavalos, achando-se em tôdas as ocasições que se ofereceram naquela campanha, na segunda batalha dos Guararapes, nas avançadas que o inimigo deu à estância do Governador Henriques Dias, na jornada que o sargento-môr António Dias Cardoso fez à campanha do Rio Grande, na tomada das fortalezas das Salinas, Casa do Rêgo e do Altaná, e das mais que os holandeses ocupavam em Pernambuco, e passando à capitania da Paraíba ocupar os postos de capitão de auxiliares e depois de cavalos, até tornar para Pernambuco, onde assentou praça de reformado na companhia do mestre-de-campo Gaspar de Sousa Uchoa, sendo enfim provido no pôsto de coronel das companhias da ordenança da capitania de Itamaracá e seu têrmo” [278][278].
Agostinho César de Andrade vai receber ainda, por provisão lavrada no Recife, a 13 de Fevereiro de 1654, um escudo de vantagem sobre qualquer soldo, cada mês, “ em respeito ao bem que serviu na guerra contra os holandeses, e assinaladamente ao valor com que procedeu nas lutas de recuperação de Pernambuco, correspondendo bem às obrigações do seu cargo, e pelo ânimo, satisfação e talento com que sempre se portou” [279][279].
Em 10 de Março de 1649, e face à agudização das campanhas de Pernambuco e ao ataque dos holandeses ao comércio com o Brasil [280][280], cria-se a Companhia Geral de Comércio do Brasil, de cujo conselho de administração fazia parte o madeirense Francisco Fernandes Furna [281][281]. A primeira esquadra da companhia saíu de Lisboa, a 4 de Novembro de 1650, levando a bordo o novo governador do Brasil, João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa, 2º conde de Castelo Melhor, casado com a futura 5ª condessa da Calheta e 9ª donatária da capitania do Funchal [282][282].
Aproveitando a guerra que se iniciou entre os Países Baixos e a Inglaterra (Maio de 1652 e Abril de 1654), D. João IV autoriza o auxílio da esquadra da Companhia de Comércio para o bloqueio do Recife e simultaneamente escreve a João Fernandes Vieira solicitando apoio para tal empreendimento [283][283].
Em fins de 1653, uma armada desta companhia cercou o Recife por mar, enquanto as tropas dos insurrectos investiam por terra. Coube ao terço de João Fernandes Vieira iniciar, no dia 15 de Janeiro, o ataque às fortificações holandesas. Em 26 de Janeiro de 1654, as forças holandesas capitularam na Campina da Taborda e, no dia seguinte, as tropas vencedoras ocuparam o Recife, tendo mais uma vez o terço de Vieira o privilégio de ser o primeiro a levar a cabo tão esperada e desejada missão. E junto ao Arco ou Porta do Bom Jesus “forão entregues ao Mestre de Campo João Fernandes Vieira as chaves de todos os Almazens de armas, munições e bastimentos que o inimigo tinha” [284][284]. Simultaneamente, os mestres de campo André Vidal de Negreiros, filho de uma porto-santense e o madeirense Francisco de Figueiroa, com os seus respectivos terços, tomaram posse da fortaleza de Santo António, da cidade Maurícia e “dos castelos de mar e terra sendo todas as forças desarmadas e as praças tomadas pelos insurrectos pernambucanos” [285][285].
Estava concluída a Restauração Pernambucana e, para comemorar este glorioso evento, é alterado, em 1870, o nome da Rua da Guia para Rua da Restauração [286][286].
Note-se, entretanto, e em abono da verdade, que não houve praticamente nenhuma família madeirense que não tivesse dado o seu contributo para este desfecho final, tendo alguns filhos da Pérola do Atlântico ou seus descendentes perecido para que este feito tivesse lugar. É o caso, para além dos já citados, de: João Ornellas, filho de Álvaro de Ornellas de Vasconcelos e de sua 1ª esposa, Maria de Andrade Cortes, que morreu nas guerras do Brasil, sem geração; Garcia Homem de Sousa, filho de Manuel Homem da Silva e de D. Vicência Cabral que morreu, sem geração, queimado pelos Tapuias [287][287]; o filho de António Teixeira de Melo, que faleceu durante a luta contra os holandeses no Maranhão e do qual desconhecemos o nome [288][288]; e António Bezerra que recebeu um ferimento em combate, em 1637, vindo a falecer na Baía [289][289].
Também Manuel Dias de Andrade, a quem já nos referimos, faleceu em Cabo Verde, em 1638, quando ia como mestre de campo e cabo na armada de Francisco de Melo, com destino à restauração de Pernambuco. Seu filho, Francisco de Andrade receberá uma mercê régia a que não é estranha os feitos de seu pai, que tinha participado ainda na restauração da Baía como capitão de uma nau [290][290].
Igualmente o sargento-mor, natural da Madeira, Rui Calaça Borges, foi morto pelos holandeses, em 26 de Setembro de 1633, quando vinha apresentar-se da Ipojuca, onde era casado. Calaza recolhera-se com cinco companheiros numa casa desabitada em Guararapes, onde ia pernoitar. Foram atacados por trezentos holandeses “resistindo até morrerem todos”. Rui Calaça Borges foi o grande obreiro no desalojamento dos holandeses da Ilha de Fernão de Noronha [291][291].
A estes nomes estamos convictos de que poderíamos adicionar muitos mais, se os documentos não se mostrassem avaros. No entanto, temos conhecimento de outros naturais da pérola do Atlântico que militaram nas guerras do Brasil e, embora nos arrisquemos a ser fastidiosos, gostaríamos de indicar mais alguns exemplos:
António da Fonseca de Ornellas embarcou, em 1634, num navio que saía da Ilha da Madeira em perseguição dos piratas que infestavam os mares e assim chega ao Brasil que encontra dominado pelos holandeses. Aí participa em vários combates até 1636, data em que é designado capitão de um dos navios que vieram ao Reino, na armada do capitão-mor D. Rodrigo Lobo. Mais tarde, é incumbido de ir de Angola ao Brasil avisar que esta primeira praça tinha sido ocupada pelos holandeses.
Gaspar Calaça Rodrigues que serviu na Restauração do Brasil. Era filho de Belchior Rodrigues Calaça e D. Antónia de Vasconcelos [292][292].
Luís de Atouguia da Costa, nascido, em Junho de 1628, do matrimónio de Manuel ou Miguel [293][293] de Atouguia da Costa com D. Maria de Castelo Branco, serviu nas guerras de Pernambuco [294][294].
João Rodrigues Pestana, filho herdeiro de Manuel Pestana e de Catarina Salvago, que foi para o Rio de Janeiro, onde foi Coronel e Sargento Maior. Aí casou com D. Antónia de Andrade e aí morreu em 1671 [295][295].
Manuel da Silveira Correia, avô de D. Ana Isabel Pessoa Bezerra que teve o foro de cavaleiro fidalgo, como consta de sua patente de capitão de infantaria paga na Paraíba, passada a 9 de Julho de 1646, e se acha registada na Livro 1 do Registo da Vedoria do exército de Pernambuco, e que depois foi ajudante de tenente de Mestre de Campo General da Capitania de Pernambuco, por portaria do Mestre de Campo General Francisco Barreto e Menezes, de 8 de Fevereiro de 1649, e por patente do Governador Geral António Teles, de 1 de Maio do dito ano. Teve um escudo de vantagem por alvará de 24 de Dezembro de 1654, registrado no Livro 1º da Vedoria, folhas 174 v [296][296].
António Fernandes Furna, filho de Manuel Pires e residente, em 1653, no Brasil que “prestou ali serviços em todos os rebates de guerra, especialmente nas Alagoas e Pôrto Calvo” pelo que obteve a capitania da fortaleza do Rio Grande por 6 anos e 20$000 réis de tença cada ano com o hábito de Santiago [297][297].
Jorge da Fonseca Pimentel, filho de António da Fonseca Pimentel que teve o cargo de capitão de artilharia em 1652, na Baía [298][298].
O avô e o pai de Ambrósio Vieira de Andrade que participaram nas guerras de restauração de Pernambuco, pelo que obtiveram, como mercê régia, o cargo de Provedor da Fazenda na Madeira. Ambrósio Vieira de Andrade é nomeado para o referido cargo, em 1683 [299][299].
Manuel da Luz Escórcio Drumond que foi capitão da fortaleza de Santos. Seu genro, João Pereira de Sousa Botafogo foi capitão-mor da capitania de São Vicente através de uma nomeação do governador D. Francisco de Sousa e, em 1596, levou uma bandeira ao sertão do rio Paraíba [300][300].
Simão Machado de Miranda, que nasceu em Novembro de 1604, e foi auditor nas guerras do Brasil. Não teve geração [301][301].
Participaram ainda nas campanhas do Brasil dois bisnetos de João Rodrigues Cabral (neto, por via materna de João Gonçalves Zarco), a saber Jorge Cabral de Aguiar que foi capitão nas guerras do Brasil, morrendo sem geração e seu irmão Manuel Cabral de Aguiar, que também serviu no Brasil, onde casou e teve filhos. O casamento de seus pais realizou-se em 1 de Agosto de 1587 [302][302].
A todos estes nomes não queríamos que faltasse referência a Domingos Gonçalves Távora, Jorge Martins de Meneses, filho de Diogo Pereira de Meneses, e a Matias Lopes, filho de André Martins, que foram recompensados pelo seu papel na defesa do Brasil contra os inimigos invasores. De mencionar também Francisco Vaz Aranha, filho de Baltasar Aranha, que esteve em Pernambuco e Francisco Martins Pereira, filho de Gonçalo Pereira. Ainda Joane Mendes de Vasconcelos que ajudou, no Brasil, “a matar os flamengos” [303][303]. Igualmente, Manuel Martins de Medina, filho de Manuel Martins, que se distingiu no socorro de Itamaracá, e por isso obteve o foro de cavaleiro fidalgo por mercê régia de 11 de Setembro de 1640. Na mesma ocasião se notabilizou D. Jorge Henriques que levantara na Madeira uma companhia de soldados, pelo que lhe foi atribuída a mercê de 100$000 réis de renda nos direitos de pescado da Ilha da Madeira ou da Alfândega da mesma Ilha [304][304]. Ali esteve também Diogo da Costa do Quintal, filho de Jerónimo Cordeiro de Sampaio. Teve alvará de promessa de 40$000 réis de pensão numa comenda da Ordem de Cristo, um ofício de justiça ou fazenda e hábito de Cristo e ainda “de uma promessa na administração de uma capela, na Ilha de S. Miguel” [305][305].
O Brasil dos séculos XVI e XVII surge-nos, assim, não só como um espaço operacional de combate para a juventude da ilha [306][306], como também para os seus progenitores. Lembremo-nos de Francisco Berenguer, sogro de João Fernandes Vieira, nomeado provavelmente no dia 15 de Maio de 1645, capitão da Várzea [307][307] que surge juntamente com o seu filho Cristovão Berenguer, contra os holandeses, no levantamento de Pernambuco. Contava 53 anos incompletos no primeiro dia da insurreição. Este rico proprietário e um dos principais membros da conjuração, terá ido para o Brasil após a morte de sua mãe ocorrida a 10 de Julho de 1617.
Também Gaspar Accioli de Vasconcelos e os seus filhos são outro exemplo a salientar. Efectivamente, Gaspar Accioli de Vasconcelos, “serviu com valor e dispendio nas guerras do Brasil” [308][308]. Serviu em Olinda e no cerco feito a S. Salvador da Baía pelo conde de Nassau. Em 1647, foi-lhe passado alvará da pensão de 40$000 em comenda da Ordem de Cristo, para os ter com o respectivo hábito [309][309].
Os seus filhos, Zenóbio Accioli de Vasconcelos e João Baptista Accioli militaram nas guerras de Pernambuco onde o primeiro foi Mestre de Campo “ ganhando fama de esforçado cavaleiro” [310][310] e aí faleceu em 1697, e o segundo sargento-mor, tendo sido também fidalgo da Casa d´El Rei e Cavaleiro do hábito de Cristo. Na patente de mestre de campo de Zenóbio Accioli de Vasconcelos pode ler-se: “e indo de socorro a Pernambuco na armada de que era general o conde da Torre, se achar nas quatro batalhas que teve com a dos holandeses; e derrotando (sic) nos baixos de São Roque, acompanhar (sic) a Luís Barbalho Bezerra na jornada que fez por terra até à Bahia; e proceder nos encontros que no caminho houve com muito valor; e continuando naquela praça o serviço, se achar nos encontros que houve junto a capitania do Rio Grande; na investida que se deu ao inimigo no engenho de Goiana, e no Salgado, no sítio das Alagoas, e nos campos de Unhaú (...)” [311][311]
Zenóbio Accioli fez também parte, como coronel, da Junta convocada pelo Governador Fernão de Sousa Coutinho, em 15 de Janeiro de 1671, no paço do senado da câmara de Olinda, para tratar de um pedido de socorro feito pelo governador de Angola, Francisco de Távora e, em 1688, foi apontado pelo governador e capitão-general, Fernão Cabral, membro do triunvirato que deveria assumir o governo da capitania de Pernambuco, por falecimento do citado governador [312][312].
No que diz respeito a João Baptista de Vasconcelos, fidalgo da Casa Real e cavaleiro do hábito de Cristo, diz-nos António José Victoriano Borges da Fonseca [313][313], que “servio com muita honra na guerra holandesa, desde o anno de 1647 até à restauração, achando-se em muitas occasiões de peleja e particularmente na que tiveram tres fragatas do inimigo, vindo elle da Ilha da Madeira, em que foi rendido e o trouxeram prisioneiro á praça do Recife, onde o puseram em apertada prisão, da qual fugio por mar com grande risco de vida, nadando meia légua até chegar ao Buraco de São Thiago, achando se ao depois na instancia do Governador Henrique Dias que o Hollanez accommetteo ... do poder, nas duas batalhas dos Guararapes e em varias outras occasiões de importância, occupando na guerra os postos de Alferes e Capitão de Infantaria, e depois della o de Capitão de Cavallos da freguesia do Cabo, por patente de 22 de Março de 1667, do qual passou ao de sargento-mor da Comarca de Pernambuco, no qual fallecêo no anno de 1677” [314][314]. David Gouveia Ferreira no seu trabalho Talvez Genealogia, atribui estes factos a Gaspar Accioli de Vasconcelos, avô de Zenóbio Accioli [315][315]. João Baptista de Vasconcelos exerceu também o cargo de Vereador de Olinda, em 1652, e o de juiz ordinário em 1655, 1662 e 1667 [316][316].
Também Heitor Nunes Berenguer e os seus descendentes directos, são um exemplo a apontar. Assim, Heitor Nunes Berenguer serviu na Paraíba e na Baía. Os seus filhos Gaspar Berenguer de Andrade, Francisco Berenguer de Leminhana, Baltasar de Abreu Berenguer e Belchior Berenguer de Andrade serviram nas guerras do Brasil. O primeiro, que nasceu em 1603 e sucedeu na casa de seus avós, obteve, pelos seus feitos no Brasil, o hábito de Cristo e mercê do foro de fidalgo da Casa Real que se havia perdido em seu avô. Faleceu em 1691. O segundo serviu 22 anos nas guerras de Pernambuco e obteve o hábito de Cristo e o terceiro, que foi agraciado devido aos serviços prestados por seu pai [317][317], foi cavaleiro do hábito de Cristo, tendo casado com D. Antónia Correia, filha de D. Ângela da Silveira e de Manuel Pires Correia, que viria a ser o capitão-mor da Paraíba [318][318].
6. Agentes político-administrativos
Convirá também não esquecer o nome de alguns madeirenses ou seus descendentes que exerceram cargos do aparelho político-administrativo.
António de Carvalho de Vasconcelos, natural da pérola do Atlântico, filho de Luís Gomes de Vasconcelos e de sua esposa D. Maria Vellez de Menezes, que foi capitão-comandante do Distrito de Goitá e Peripi, por patente do Governador D. Pedro de Almeida, de 4 de Maio de 1676, e deste posto passou, por patente de 3 de Novembro de 1693 do governador Caetano de Melo de Castro, para o de capitão de cavalos do Regimento de que era coronel D. Francisco de Sousa. Foi casado, em primeiras núpcias, com D. Francisca Pereira e, depois, com D. Luísa de Melo de Ornelas [319][319] . Em 1693, era o Vereador mais velho da Câmara da cidade de Olinda [320][320].
António de Sousa Lira que foi capitão da ordenança da freguesia de S. Lourenço, por patente do governador Aires de Sousa de Castro, de 17 de Maio de 1679. Era filho de Francisco da Rocha Velho e de Bárbara de Lira e neto, por via materna, dos madeirenses João Dias de Lira e Maria Fernandes [321][321].
O Dr. Francisco da Fonseca Leitão, marido da madeirense D. Genebra Accioli de Castelo Branco, filha mais velha de Miguel Accioli e de Maria Andrade de Castelo Branco, foi chanceler do Brasil e Desembargador da Casa da Suplicação. Era filho de João Gonçalves Leitão e de Isabel da Fonseca [322][322].
Francisco de Sousa Pereira, filho de Rui de Sousa Pereira e de D. Briolanja Escócia foi capitão de Pernambuco [323][323].
Os tios de Zenóbio Accioli de Vasconcelos foram o Provedor da Fazenda em Olinda, alcaide-mor da Paraíba e o sargento-mor de Pernambuco. Seu primo, João Fernandes Vieira (neto), foi Comissário Geral da Cavalaria da Paraíba [324][324].
António Correia Brandão, natural da Ribeira Brava, exerceu as funções de almoxarife, no Rio de Janeiro e, em 27 de Junho de 1684, obteve carta de familiar do Santo Ofício. Tinha embarcado quando pequeno para o Brasil, onde casou. Era filho de Beatriz Correia Brandão e do lavrador, Bernardino de Abreu Serrão [325][325].
André Vidal de Negreiros, natural da Paraíba, foi governador e Capitão General do reino de Angola, do Maranhão e duas vezes de Pernambuco. Seu pai, Francisco Vidal, era natural de Santarém e sua mãe, Catarina Ferreira era natural da Ilha de Porto Santo [326][326].
Lásaro de Barros Catanho foi “proprietário dos Officios de Escrivão da Alfandega da Parahyba, Contador e Guarda Livros da mesma e Juiz do Peso do pao brasil”. Era filho de Manuel Francisco e de Isabel Gomes Catanho, natural da Ilha da Madeira e neto por via materna de Manuel Catanho e de sua mulher Gracia do Rego Barreto, naturais da Ilha da Madeira [327][327].
Baltasar de Ornellas Valdeveso, natural da Ilha da Madeira, era juiz em Goyanna, quando foi assassinado [328][328].
Agostinho César de Andrade foi fidalgo cavaleiro da Casa Real e professo na Ordem de Cristo capitão e cabo da Fortaleza de S. Tiago das Cinco Pontas e ainda capitão da ordenança de Itamaracá e capitão mór da mesma capitania. Este “homem inteligente, activo, combateu sem tréguas os selvagens, empregando na campanha o maior empenho e solicitude” [329][329]. Foi ainda capitão-mor da capitania do Rio Grande do Norte, cujo cargo exerceu até 1692 e depois, de 1691 a 1695, interinamente, por nomeação de D. João de Alencastro, governador-geral do Brasil. Desempenhou também a função de capitão-mor governador da Paraíba. Era filho de João Barreto e de sua mulher D. Ana César [330][330].
D. Jerónimo de Ataíde, bisneto de Luís Gonçalves de Ataíde, (filho 2º do segundo matrimónio do capitão Simão Gonçalves da Câmara), foi governador e capitão general do estado do Brasil.
Dr. Lourenço de Freitas Ferraz, natural da Ilha da Madeira, foi juiz de fora da cidade de Olinda e Vila do Recife, a 6 de Abril de 1728, por patente régia de 13 de Novembro do ano anterior. Seu filho, Filipe de Moura Accioli, foi viver para a Ilha da Madeira [331][331].
Francisco Gomes Moniz, homem distinto da Ilha da Madeira, em 1634, era provedor da Fazenda Real na Paraíba e em 1649 era ouvidor e auditor da gente de guerra na câmara de Olinda, cuja jurisdição compreendia, não só toda a capitania, inclusive as Alagoas, mas também as capitanias da Paraíba, do Ceará e do Rio Grande do Norte [332][332].
Exerceu ainda o cargo de ouvidor geral de Pernambuco, o madeirense Francisco Berenguer de Andrade, nomeado por provisão de 1 de Junho de 1646, dos mestres de campo governadores na guerra, André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira [333][333].
João Gonçalves Drummond, por provisão de 21 de Novembro de 1552, foi capitão da capitania de Ilhéus, substituindo assim o loco-tenente do donatário Francisco Lopes Barroso. Foi ainda provedor da Fazenda Real [334][334]. Pensamos que é o mesmo madeirense a quem Pedro Calmon se refere, dizendo que foi casado com D. Marta de Sousa, uma das orfãs nobres que D. João III mandou à Baía. A assim ser, era irmão ou sobrinho de Pero Escórcio Drummond, que foi juiz ordinário do cível e crime em 1546 [335][335].
Finalmente, João Fernandes Vieira, o Restaurador de Pernambuco, fidalgo da Casa do Rei e Governador de Angola, que “teve outras mercês, que sendo grandes, fôrão sempre inferiores ao seu merecimento” [336][336]. A ele nos referiremos com algum detalhe mais adiante, em ponto autónomo. Antes, porém, parece-nos pertinente destacar ainda o contributo do madeirense no aspecto religioso não só institucionalmente como também no envio de clérigos madeirenses para Terras de Vera Cruz.
7 - Eclesiásticos
A Madeira, que, de 1514 a 1533, foi a maior diocese do mundo, [337][337] tornou-se a sede da metrópole secular e eclesiática do Brasil, através da Bula Romani Pontificis Circumspectio, do papa Paulo III, datada de 8 de Julho de 1539 [338][338]. Nesta conformidade, tudo o que dizia respeito ao eclesiástico no Brasil, dependia da igreja metropolitana do Funchal.
De salientar que os arcebispos D. Martinho de Portugal, e D. Frei Gaspar do Casal, prelados do Funchal, exerceram jurisdição episcopal no Brasil. Foi sob a jurisdição do primeiro que foi criada e provida a primeira igreja paroquial de Pernambuco, com a invocação de S. Salvador, na vila de Olinda, em 1540 [339][339].
Em 1551, através da bula Super Specula Militantis Ecclesiae, é criado o bispado do Brasil, na Baía [340][340] que ficou sufragâneo do arcebispado de Lisboa. D. Pedro Fernandes Sardinha, o seu primeiro bispo, era filho da madeirense D. Filipa Gomes e de João Gomes Sardinha [341][341].
Clérigos madeirenses no Brasil foram também, e entre muitos outros, o já citado Agostinho César, irmão de Francisco Berenguer de Andrade, que embarcou para o Brasil, onde faleceu, Frei Gregório Baptista que nasceu no Funchal, no último quartel do século XVI e que pregou no Brasil, onde foi, provavelmente, frade da ordem de S. Bento, na Baía [342][342], o padre Gonçalo de Gouveia Serpa, filho de António da Fonseca Baião e de sua esposa Maria de Gouveia, como consta do termo de Irmão da Misericórdia de Olinda que assinou em 21 de Junho de 1703 [343][343], e Marcelino de Sousa Abreu que acompanhou os seus conterrâneos na viagem para Santa Catarina, em resposta à solicitação do rei que, através de uma provisão de 9 de Agosto de 1747, convidou alguns clérigos das Ilhas a acompanhar os povoadores que iam preencher os vazios demográficos existentes em Santa Catarina [344][344].
Curta estadia no Brasil teve o religioso franciscano Frei Álvaro da Purificação que, em 1577, ao viajar da Ilha da Madeira para Lisboa e por impulsos de ventos contrários aportou no porto do Recife, onde a população lhe pediu que aí fundasse um convento da sua ordem, para o que concorreu imediatamente uma viúva, D. Maria da Rosa, com a oferta da sua capela de Nossa Senhora das Neves e do terreno necessário junto à mesma. Consultados os seus superiores, estes não autorizaram a sua permanência no Brasil e Álvaro da Purificação recolheu ao seu convento em Lisboa [345][345].
8- Um caso paradigmático de sucesso: João Fernandes Vieira
Herói da guerra contra os holandeses, apelidado por uns de Valoroso Lucideno [346][346] e por outros de Castrioto Lusitano [347][347], comparado a Cristovão Colombo [348][348], a Homero [349][349] e a Nuno Álvares Pereira [350][350], herói de um romance de Pinheiro Chagas [351][351], proclamado “o herói da sua idade” por D. Pedro II de Portugal [352][352] e o Restaurador da Igreja Americana pelo papa Inocêncio X [353][353], conhecido como o Restaurador de Pernambuco, João Fernandes Vieira, bravo madeirense do século XVII, surge na História de Portugal e do Brasil, como uma figura de relevo, mas assaz controversa.
Observa Henrique de Noronha que Francisco de Ornelas, filho de Francisco de Ornelas Moniz [354][354], sendo rapaz fugiu para o Brasil, onde mudou seu nome para João Fernandes Vieira [355][355]. A adopção deste nome decorreria do facto de João Fernandes Vieira ter um 3 º avô com o mesmo nome, morgado da Ribeira de Machico [356][356].
Chegado a Pernambuco com apenas onze anos incompletos, João Fernandes Vieira, depois de trabalhar com um comerciante sem auferir qualquer compensação económica em troca dos seus serviços, entra para o serviço de um negociante rico e, em 1635, tinha já um certo pecúlio adquirido no comércio durante seis anos, pois que, aquando da capitulação do Arraial Velho, em 6 de Junho de 1635, paga o seu resgate e o de seus dois criados, orçado em 500 patacas (16$000) [357][357].
Amigo íntimo do princípe de Nassau, é nomeado capitão de uma companhia de cavalaria (ritmeester), escabino e representante da freguezia da Várzea do Capibaribe na assembleia legislativa de 1640 [358][358], conseguindo assim ser estimado dos holandeses, situação a que não foram alheias, “ as dádivas a todos os governadores (holandeses) e seus ministros e grandiosos banquetes que ordinariamente lhes dava pelos trazer contentes” , como se infere do seu testamento [359][359].
Como feitor dos engenhos de Jacob Stachouwer e mais tarde como seu procurador, João Fernandes vai conseguir ganhar a confiança do governo holandês no Brasil. Vêmo-lo, assim, em 1640, a arrematar a cobrança dos três principais contratos das rendas de Pernambuco [360][360] e cinco anos depois, data do início das hostilidades contra o inimigo invasor holandês, João Fernandes Vieira possuía já 1500 escravos e trabalhadores, empregados em seus engenhos e propriedades e “tratava-se á lei da nobreza como se dizia naquelle tempo, tendo Casa no Recife e no campo ornadas com o luxo proprio da epocha e capella com musica, etc.” [361][361].
Homem de prestígio entre os holandeses, João Fernandes Vieira não se distanciou, todavia, dos seus conterrâneos, auxiliando clérigos e soldados portugueses, interferindo junto dos holandeses pelos presos de uma suposta conjuração contra os holandeses, em 1638, recusando qualquer benefício económico pelo seu gesto [362][362] e casando, em 1643, com D. Maria César de 13 anos, filha de Francisco de Berenguer, lavrador de canas, e de Joana de Albuquerque. Francisco Berenguer era “aparentado com todos os conjurados” [363][363], significando assim este matrimónio “liberdade do paiz porque Vieira, senhor de muita riqueza e com grande crédito entre o inimigo podia fornecer-lhe armamento e dar grande calor ao negócio” [364][364].
Será, efectivamente, João Fernandes Vieira que irá empunhar o bastão de chefe da revolta que expulsará o invasor batavo dos territórios da América Lusitana.
Através do alvará régio, de 5 de Junho de 1654, temos conhecimento que, de 1630 a 1651, participou activamente nas lutas contra os holandeses, como soldado, na defesa do forte de S. Jorge, onde permaneceu três dias e três noites consecutivas e salvou duas bandeiras [365][365], como encarregado de distribuição de víveres, capitão e mestre de campo “acompanhado todo aquele tempo de criados e escravos, não sómente sem soldo, mas despendendo na continuação dos serviços que fez, grande quantidade de dinheiro que se lhe ficou devendo e fazenda consumida “ [366][366].
É da sua autoria o documento “Razão que teve o povo e o Mestre de Campo para se levantar contra os holandeses” que, e como o seu título indica, não só aponta as causas do levantamento pernambucano, como também identifica o nome do seu chefe: João Fernandes Vieira. Aliás, esta liderança é comprovada por um folheto holandês contemporâneo, A Bolsa do Brasil que, em 1647, referindo-se aos elementos da insurreição, afirmava que “os mais velhacos e traidores (aos holandeses) eram os que mais entrada tinham com os membros do Supremo Conselho, e João Fernandes Vieira o maior traidor “ [367][367].
Interessante verificar que, em situações de crise aguda para os insurrectos, estes acusavam sempre João Fernandes Vieira das suas desgraças, nomeadamente no momento de crise que precedeu a Batalha das Tabocas e em finais de Setembro de 1646, quando “havia grande falta de tudo “ [368][368], prova indiscutível do protagonismo de João Fernandes Vieira no eclodir da insurreição. Aliás, os seus inimigos chegaram a tentar matá-lo, pois temos conhecimento da devassa tirada por ordem do governador António Teles da Silva, devido a este delito [369][369].
É este valoroso madeirense que mantém escondido, na sua fazenda de Tejipió [370][370], o capitão António Dias Cardoso, chegado a Pernambuco, em Janeiro de 1645, para militarmente dirigir a insurreição, que congrega adeptos e reune armamento. Os entendimentos do capitão Dias Cardoso com os conjurados realizam-se nas matas do Rio Tejipió, onde João Fernandes Vieira “possuia terras e currais” [371][371].
É também João Fernandes Vieira, juntamente com António Cavalcante, que executa, “em nome da Liberdade Divina”, o primeiro acto formal da rebelião pernambucana, em 15 de Maio de 1645. Assim o atesta uma patente passada na Várzea do Capibaribe, que nomeava os capitães da freguesia de São Gonçalo, Miguel Gonçalves e Amador de Vilas, com poderes, entre outros, de recrutar pessoas, requisitar abastecimentos, perdoar crimes, dispensar o pagamento de dívidas aos holandeses e conceder alforria aos escravos participantes na insurreição [372][372].
Teve João Fernandes Vieira papel preponderante na organização do exército para iniciar a Revolta Pernambucana, e mesmo algum tempo depois, sendo todas as patentes de nomeação dos oficiais conferidas por este natural da Ilha da Madeira, que se intitulou “capitão-mor e governador desta guerra da liberdade divina” [373][373]. Agendada para o dia 24 de Junho de 1645, a insurreição foi antecipada para o dia 13 desse mês, devido a uma denúncia feita ao Alto Conselho holandês de que se preparava uma revolução de que Vieira era o chefe. Os conselheiros decidiram aprisionar Vieira que, no entanto, se antecipou fugindo, frustando assim os intentos holandeses. O mesmo fizeram, entre outros, Francisco Berenguer de Andrade, Bernardim de Carvalho e António Cavalcante.
Senhor de um grande poder organizativo e de antecipação, João Fernandes Vieira, através de Vidal de Negreiros, transferiu para a Baía grandes valores em títulos de créditos, dinheiro em moeda e uma grande quantidade de jóias, ouro e prata, para que se encontrassem a salvo das mãos do invasor e, ao contrário dos seus companheiros de revolução, teve também o cuidado de enviar sua esposa, D. Maria César, para casa de António Bezerra, seu parente [374][374].
Defensor inabalável da Restauração Pernambucana, João Fernandes Vieira despreza a oferta de 200.000 ducados que lhe ofereceram os holandeses para abandonar a causa dos insurrectos e retirar-se para um local escolhido por si, menosprezando o edital do invasor que lhe põe a cabeça a prémio, colocando também a prémio, em forma de retaliação, a dos membros do Supremo Conselho, oferecendo 12.000 florins por cada uma.
Numa altura em que Portugal se encontra envolvido nas guerras da Restauração e que faz uma trégua com a Holanda, não podendo assim abertamente ajudar a revolução pernambucana nem decretar guerra à Holanda, fá-lo João Fernandes Vieira, ao ordenar que se queimem as plantações de cana-de-açúcar, para enfraquecer os recursos do invasor inimigo e ao dar o exemplo, queimando primeiro as suas.
Em 7 de Outubro de 1645, João Fernandes Vieira é aclamado pelo “povo e nobreza, clero e gente de guerra de Pernambuco” [375][375] governador da capitania. Previdente como era, estabeleceu no acampamento da Várzea, perto do forte real do Bom Jesus (Arraial Novo), uma Casa de Misericórdia provisória, destinada ao curativo dos soldados enfermos e feridos na campanha, a qual foi considerada o primeiro hospital militar existente em Pernambuco, tendo o local onde foi instalada ficado conhecido com o nome de Hospital [376][376].
A partir da sua aclamação como governador, dirigiu cumulativamente o governo civil e militar da capitania, até 16 de Abril de 1648, data em que o entregou a Francisco Barreto, nomeado por patente régia mestre de campo [377][377]. Será durante o governo deste último que Vieira imortalizará o seu nome através dos seus feitos como comandante do exército. Prosseguindo incansavelmente na luta até ao fim, caberá ao seu terço, que era o mais numeroso, formar o centro de batalha, na primeira e na segunda batalha dos Guararapes, que se saldaram, como já vimos, por duas vitórias estrondosas dos insurrectos pernambucanos.
Assinada a capitulação, em 26 de Janeiro de 1645, será a João Fernandes Vieira que serão entregues, pelo inimigo vencido, as 73 chaves respeitantes aos armazéns de armas, munições e “bastimentos” [378][378].
Feliz com o desfecho da revolução pernambucana, para o qual tanto tinha contribuído, João Fernandes Vieira não descurou, no entanto, os interesses dos soldados que aí tinham participado, queixando-se ao monarca, em 18 de Março de 1654, de que não tinham sido ainda distribuídos os “duzentos escudos de vantagem sôbre os soldos, concedidos aos que se tinham distinguido nas duas Batalhas dos Guararapes e encontros posteriores, por alvará de 4 de Março de 1653” [379][379].
Também para si solicita ao rei inúmeras mercês, como remuneração dos seus valiosos serviços, muitas das quais lhe são atribuídas. Aliás, já antes da primeira batalha dos Guararapes, João Fernandes Vieira tinha sido agraciado com o foro de fidalgo real, o hábito da Ordem de Cristo, uma comenda da mesma Ordem de 300$ de renda anual, para além de ter sido confirmado no posto de mestre de campo. Mas, consciente do seu papel de líder na revolução que tinha agora chegado ao fim, João Fernandes Vieira não se sente suficientemente recompensado com estas mercês e dirige uma nova petição ao rei onde descreve, minuciosamente, os seus serviços, anexando documentos comprovativos de todos eles. Um destes documentos, escrito e assinado por todos os capitães que serviam em Pernambuco, observava, mais uma vez, que “fôra ele o aclamador da liberdade daqueles povos da tirania dos holandeses, reunindo com cautela armas e munições e convocando gente até que o inimigo o descobriu, pondo-se ele em campo com os ajuramentados, que o elegeram por seu Governador, gastando muita fazenda sua no sustento de todos e ordenando tudo como soldado experimentado, dissimulando por amor da causa, as maquinações de alguns descontentes” [380][380]. Também Martim Soares Moreno e André Vidal de Negreiros confirmaram os seus bons serviços nas Batalhas das Taboucas e da Casa Forte, da Ilha de Itamaracá e do sítio dos Afogados, comprovando, inclusivamente, que João Fernandes Vieira tinha provido ao sustento de muitos dos seus soldados.
Por tudo o que foi exposto, não é de estranhar que numerosas tenham sido as mercês atribuídas ao Libertador de Pernambuco. De entre elas, salientam-se: a mercê lucrativa de São Pedro de Torrados, os hábitos de Cristo e de S. Bento de Avis, a administração da comenda de Santa Eugénia de Ala, a alcaidaria-mor de Pinhel, vinte léguas de terra no Brasil, dois ofícios de justiça, fazenda ou guerra para pessoas de sua obrigação, o título de conselheiro de guerra e o governo da capitania do Maranhão, por seis anos, com a obrigação de descobrir as minas de ouro que constava existirem no Amazonas e a permissão de embarcar, em Pernambuco, 400 caixas de açúcar livres de direitos de dízima e sisa na Alfândega de Lisboa. Superintendente das fortificações de Pernambuco e das províncias do Norte, 1º Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Olinda [381][381], governador da capitania da Paraíba e aí administrador de três engenhos por concessão do rei e governador do reino de Angola, são outras distinções de que foi alvo [382][382].
Como governador da Paraíba, coube-lhe a difícil tarefa de reorganizar a administração e iniciar a reestruturação de uma capitania que se encontrava abandonada desde 1646. E embora tivesse desempenhado o cargo durante apenas ano e meio (de Fevereiro de 1655 a Agosto de 1657), João Fernandes Vieira garantiu o abastecimento das tropas adquirindo com dinheiro seu, farinha ou milho, e estabelecendo uma cota de farinha para o sustento delas, procedeu à reedificação do forte do Cabedelo e restabeleceu a antiga independência da capitania da Paraíba em relação a Pernambuco. A este respeito, e em carta dirigida ao desembargador António Nabo Peçanha, recorda que gastou da sua fazenda “des mil e tantos cruzados com o sustento de 500 soldados e com as fardas” [383][383] e em carta ao Princípe Regente D. Pedro, datada de 22 de Maio de 1671, afirma que “no seu serviço gastara e perdera em fazendas durante a guerra, mais de 600.000 mil cruzados, além de se lhe estar a dever os soldos de Mestre de Campo e o sustento da infantaria da Paraíba, afora outros serviços de importância quer ali, quer em Angola, custeados de seu bolso” [384][384]. A este facto se refere muitas outras vezes, as quais seria ocioso recordar aqui. Todavia, vale a pena citar o seu testamento onde diz: “ deve-me sua Majestade de dois annos que sustentei a infantaria na Paraíba quando aí governei, como consta pelas quitações dos cabos e oficiais da fazenda, vinte mil cruzados ou como consta dos papéis” [385][385].
Aliás, não será esta a última vez que Vieira dispenderá da sua fazenda em favor do serviço real. Efectivamente, a carta do governador de Angola, Francisco de Távora, datada de 27 de Julho de 1671, dá-nos conta de que este escreveu aos governadores do Brasil, solicitando a remessa de alguma infantaria e, embora pensasse que o seu pedido não iria ser atendido, sem ordem do rei, tal não sucedeu, pois de Pernambuco o governador Fernão de Sousa Coutinho e João Fernandes Vieira, “este com grande dispendio de sua fazenda” lhe enviaram 200 infantes e alguns cavalos” [386][386].
De 18 de Abril de 1658 a 10 de Maio de 1661, foi João Fernandes Vieira governador de Angola, onde, mais uma vez, se denotou a sua preocupação extrema na defesa do território, ao concluir o forte de Santo Amaro, ampliar o de São Francisco do Penedo, reedificar as fortalezas que se encontravam arruinadas e, finalmente, ao formar duas companhias de cavalaria [387][387]. Importante também referir a construção de um cais, para descarregar os navios e a viagem que Vieira mandou levar a cabo a João Mendes de Vasconcelos e à qual se refere o rei quando solicita a André Vidal de Negreiros, sucessor de Vieira no governo de Angola, que o informe do “que resultou da diligencia que seu antecessor João Fernandes Vieira mandou fazer, do caminho por terra daquele Reyno a Benguella, em que se dizia aver fortaleza de Portuguezes, de que tinha avisado por carta de 6 de outubro de 1660” [388][388].
Depois de quatro anos de governo, João Fernandes deixa Angola e chega a Pernambuco, em 2 de Abril de 1662, onde se vai entregar aos seus negócios particulares, de senhor de engenho. Não nos podemos esquecer que o autor do Regimento do Feitor-mor do Engenho do Meio dirigiu, fundou e aparelhou mais de dezena e meia de engenhos [389][389].
Todavia, não descura o interesse nacional e, nomeado superintendente das fortificações do Nordeste [390][390] em 19 de Outubro de 1674, cargo que exerceu até ao seu falecimento, impulsiona a fortificação do Nordeste, devendo-se-lhe a construção de vários fortes, dos quais destacaríamos o de Tamandaré que tinha sido, já em 1646, “ligeiramente construído” [391][391] por João Fernandes Vieira, para proteger o porto contra as tentativas dos holandeses e servir de abrigo às embarcações que eram perseguidas pelo inimigo batavo. No entanto, foi depois abandonado, encontrando-se destruído quando João Fernandes Vieira, em 1677, inicia a sua reedificação [392][392].
Pensando no problema do povoamento do Brasil como fazendo parte integrante da defesa da América Lusitana, o valoroso madeirense vai propor ao rei, em 26 de Abril de 1674, trazer por sua conta casais das ilhas atlânticas portuguesas. Em 26 de Junho de 1675, reintera ao rei a necessidade de mandar vir, dos Açores e Madeira, casais, propondo-se custear a vinda de um grupo de 300 ou 400 casais daquelas Ilhas aos quais daria parte de suas terras e a que se seguiria outro de “offesiais de Pedreiro, carpinteiros, ferreiros, caldeireyros, valadeiros, marreteiros de fazer sal, Almocreves (...)” [393][393]. Tal empreendimento é acolhido com grande satisfação pelo Conselho Ultramarino que opinou, em 6 de Novembro de 1675, que tal proposta era merecedora de agradecimento “não só de palavras mas com mercês” [394][394], tendo o Princípe Regente determinado que João Fernandes Vieira recrutasse da Ilha da Madeira os casais que necessitava.
Ainda nesse ano, a câmara de Olinda pediu a nomeação de João Fernandes Vieira para o cargo de governador da capitania “por ser o único refúgio nas assolações em que os punham os governadores, e de presente seria o total remédio para não ficarem perdidos e arruinados de todo, porque no caso de Jerónimo de Mendonça, como em outros muitos que vinham do reino não serviam mais que de destruição e decomposição dos moradores e ainda de detrimento da fazenda real, por tomarem parte nos contratos e fazerem negociações nas arrematações dêles, com a notória perda nos dízimos e direitos, estancando os géneros, de maneira que sem usarem dêstes meios não podiam tirar o cabedal que vinham buscar” [395][395].
Prosseguindo na sua intenção de servir o rei e o bem comum, João Fernandes Vieira toma ainda várias iniciativas: sugere ao rei a cunhagem de moeda em Pernambuco, proposta aceite pelo rei que, entretanto, não foi levada à prática, possívelmente, pela falta da pessoa qualificada para o executar; reconstrói o recolhimento de Nossa Senhora da Conceição de Olinda, de que era juiz eleito, depois da restauração de Pernambuco; solicita ao rei que esta instituição se transforme num convento e dota-a com património suficiente para tal efeito. Também a viúva do madeirense Francisco Figueiroa, D. Antónia de Souto Maior, legará a este recolhimento vários prédios situados em Olinda e objectos de valor, de ouro e prata, para além de custear as despesas inerentes à manutenção de um capelão para dirigir os serviços religiosos do estabelecimento [396][396].
Em 1678, encontramos João Fernandes Vieira, com a patente de general, a ser padrinho no crisma do capitão António Cavalcante de Albuquerque [397][397]. Em 10 de Janeiro de 1681, na rua de São Bento, em Olinda, faleceu o grande herói madeirense.
No seu testamento, realizado em 1664, não se esqueceu o Restaurador de Pernambuco, nem dos que tinham perecido na revolução pernambucana, nem, e sobretudo, da sua terra natal, mandando rezar mil missas no Reino de Portugal e na Ilha da Madeira “oferecidas a Deus por todas as almas dos que morreram nas guerras desta capitania de Pernambuco, desde a era de 1645 para cá” [398][398], custeando, anualmente durante um período de 12 anos, o casamento de uma orfã da Ilha da Madeira, para o que deixava 80$ como dote para cada uma delas e determinando que os seus restos mortais fossem transladados para a Ilha da Madeira, o que não chegou a acontecer.
Para perpetuar a casa em que residiu e morreu João Fernandes Vieira, em Olinda, encontra-se na rua de S. Bento uma lápide comemorativa, colocada em 12 de Agosto de 1865, pelo Instituto Arqueológico [399][399] e, em 1870, a rua outrora denominada Rua da Senzala Nova viu a sua designação substituída por Rua de Dona Maria César [400][400], para celebrar o nome da esposa “do glorioso e feliz madeirense” [401][401]