domingo, 3 de janeiro de 2010

Ao ritmo da ampulheta

Quando criança ganhei um reloginho de areia... O inusitado presente me deixava absorto e maravilhado! A areia branca descia devagar de um compartimento a outro da ampulheta; invariavelmente, imobilizado pelo fascínio daquela novidade, virava o "reloginho" fazendo com que a areia inerte tomasse vida e caísse, lenta e monótona, para o espaço vazio abaixo.
E assim, horas a fio, como que tentando aprisionar o tempo, sentia-me "dono" do que estava ao meu redor, senhor das coisas e sentimentos... Até que um dia... o encanto quebrou-se! Uma manobra desastrada e a areia fria, que até àquele momento era cheia de vida, espalhou-se, inanimada, em meio aos cacos de vidro sobre a mesa...
Inerte, morta, por assim dizer, levou consigo todo o meu encanto. Desiludido, aos poucos fui me acostumando ao "desprazer" que se abatera sobre mim. Ao mesmo tempo um alívio e um sentimento de liberdade apossaram-se do meu ser e sentia, mesmo sem descobrir as palavras certas para expressar a nova situação, a euforia de haver me libertado de um feitiço! Aquele afã de tentar, ostensivamente, "dominar" o tempo estava me aprisionando. Frente à ampulheta sobre a mesa eu era seu prisioneiro. Nada mais podia fazer, estava absorto por seus sortilégios, escravo voluntário de seus encantos!
Quantas vezes procedemos como se um pensamento fixo fosse a última razão de nossas vidas e uma "verdade" que formalizamos em nosso íntimo parece incontestável a ponto de mais nada chamar a atenção de nossos propósitos! Nossa passagem pela vida é, mesmo que passe despercebida à maioria das pessoas, uma construção e uma "conta" que nos farão ingressar na memória histórica da humanidade. Viemos para somar e mesmo um pequeno grão de areia que possamos colocar na construção de um futuro melhor, será auspicioso e reverenciado pela posteridade. Desejo a todos um próspero Ano Novo!
Eleutério Sousa